segunda-feira, 14 de outubro de 2013


v encontro de hospitalidade e turismo da universidade federal fluminense
“Espaços e territórios dialogando com o turismo”
III JORNADA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA EM HOSPITALIDADE E TURISMO

NITERÓI-RJ, 25, 26 e 27 de setembro DE 2013

REAFIRMAÇÃO ÉTNICA E TERRITORIAL COMO ELEMENTOS DE HOSPITALIDADE NA FESTA DA RETOMADA DOS ÍNDIOS XOKÓ - SERGIPE




Gisélia de Souza Cardoso
Graduanda do Curso de Turismo da Universidade Federal de Sergipe

Rosana Eduardo da Silva Leal
Doutora – Docente do Curso de Turismo da Universidade Federal de Sergipe
rosanaeduardo@yahoo.com.br



RESUMO

O presente trabalho busca refletir sobre a relação entre cultura, festa e hospitalidade, tendo como campo empírico a comunidade Xokó, única população indígena de Sergipe. O estudo foi desenvolvido durante a Festa da Retomada, celebração realizada todos os anos na aldeia, que congrega reafirmação étnica, identitária e territorial, sendo também responsável por promover o diálogo com a sociedade mais ampla. Neste âmbito, buscou identificar como as especificidades culturais e simbólicas dos Xokó apresentam-se como recursos de acolhimento aos visitantes durante a festa. Para tanto, utilizou-se da pesquisa bibliográfica e de campo, servindo-se do método etnográfico, com o uso do diário de campo e do registro fotográfico. O acolhimento dados aos visitantes ocorre através da atenção, dos cuidados e da transmissão de valores da comunidade local, proporcionando o contato com a cultura e os conhecimentos indígenas presentes na aldeia. Diante dos dados coletados, o que se percebeu é que a cultura é a essência da hospitalidade Xokó e o acolhimento é o complemento para que novas visitas aconteçam na aldeia.

Palavras Chave: Festa, cultura, hospitalidade indígena, Xokó.


ABSTRACT

This paper seeks to reflect on the relationship between culture and hospitality party, whose empirical field community is Xokó, only indigenous population of Sergipe. The study was conducted during “A Festa da Retomada”, it is a celebration held every year in the village which congregates the reaffirmation ethnic and the territorial identity, and is also responsible for promoting dialogue with the wider society. In this context, we sought to identify how the specific cultural and symbolic of Xoko present themselves as resources to host visitors during the festival. Therefore, we used the literature and field, using the ethnographic method, using the field diary and photographic record. The welcome given to visitors is through attention, care and transmission values ​​of the local community, providing contact with the culture and indigenous knowledge present in the village. From the collected data, it is known that culture is the essence of Xoko’s  hospitality, and Xoko´s welcome is the complement to that new visits happen in the village.

Keywords: Party, culture, indigenous hospitality, Xokó.


INTRODUÇÃO
O presente artigo é parte da pesquisa desenvolvida para o trabalho de conclusão de curso que envolve o único grupo remanescente indígena de Sergipe, o povo Xokó, que está situado na Ilha de São Pedro, localizado no município de Porto da Folha. A pesquisa tem sido realizada no Núcleo de Turismo da Universidade Federal de Sergipe, através do Grupo de Estudo, Pesquisa e Extensão em Antropologia e Turismo - ANTUR/UFS/CNPQ. Tem por finalidade propor um roteiro de visitação turístico-educativa por meio da percepção e contribuição da própria comunidade. Tal proposta busca contribuir para a melhor compreensão dos costumes, práticas alimentares, produção artesanal, rituais, celebrações, atividades econômicas e de subsistência existentes na aldeia, que constantemente recebe grupos de estudantes para conhecer os modos de vida da comunidade.
Neste âmbito, o artigo busca apresentar parte dos dados empíricos coletados durante a Festa da Retomada, celebração que ocorre anualmente na aldeia Xokó, no dia 09 de setembro em comemoração à reconquista do território. A intenção do estudo foi analisar como as práticas culturais deste grupo indígena são utilizadas como elemento de hospitalidade local e interação com a sociedade mais ampla durante a festa.
Conforme salienta Selwyn (2004, p. 47), “decididamente, a hospitalidade é o meio, acima de todos os outros, de criar ou consolidar relacionamentos com estranhos”. Trata-se de um conjunto de trocas simbólicas capazes de estabelecer, fortalecer e/ou promover vínculos, em busca de minimizar reações hostis diante do outro, apresentando-se como ferramenta sociocultural de transformação de estranhos em conhecidos. Reflexão que corrobora com Aguiar, Martins e Cardoso (2003) de que a alteridade constitui-se a essência da hospitalidade, na medida em que permite ampliar o contato e a interação entre visitantes e visitados, potencializando as relações sociais entre indivíduos, povos e grupos distintos.
Para tanto, foram utilizados a pesquisa bibliográfica e de campo. A pesquisa bibliográfica foi baseada na análise da literatura já publicada sobre o assunto, sendo desenvolvida por meio de livros, dissertações e teses, obtendo desta forma informações sobre o tema pesquisado. Este procedimento foi utilizado para possibilitar um maior embasamento teórico e amadurecimento científico sobre o tema.
Através da pesquisa de campo foi possível ter acesso ao universo simbólico dos Xokó, por meio da coleta de dados empíricos sobre o grupo que permearam as produções culturais e os membros da aldeia. Também foi utilizado o diário de campo e o registro fotográfico da festividade, identificando os elementos da cultura material e imaterial presentes no evento. Tais registros serviram para compreender os múltiplos aspectos da celebração, bem como identificar o comportamento dos índios no acolhimento e diálogo com os grupos externos.
O método etnográfico também foi utilizado para a produção do presente estudo, servindo como instrumento metodológico que contribuiu na vivência, participação e compreensão da dinâmica sociocultural da festa, contribuindo para a compreensão mais profunda sobre a relação entre visitados e visitantes.

  1. A TRADIÇÃO E A REINVENÇÃO CULTURAL
Diante das mudanças impostas pela modernidade, a cultura acaba sofrendo mudanças na estrutura tradicional, fazendo com que a tradição seja reinventada, adquirindo novos padrões de comportamento, que muitas vezes acontecem para atender as exigências do mercado. Em alguns casos, elementos da cultura tradicional são adequados às necessidades do mercado consumidor, causando assim uma descaracterização da tradição e abrindo espaço para reinvenção cultural.
Por mais que argumentos sejam feitos sobre a constante produção da cultura, é interessante destacar que os aspectos tradicionais de um passado histórico devem ser mantidos em suas características peculiares, desde o patrimônio material ou imaterial, sem proporcionar novos padrões para a cultura tradicional anterior.
Autores argumentam que a tradição sempre passa pelo processo de construção cultural. “Tradição como uma categoria autoconsciente” é inevitavelmente “inventada”. Para Handler e Linnekin apud Grünewald (2001, p. 285-286).

[...] tradição nunca é totalmente natural, nem é sempre totalmente não relacionada com o passado. A oposição entre uma tradição simplesmente herdada e aquela que é conscientemente moldada é uma falsa dicotomia. O ponto crucial para nossos propósitos é que seu valor como símbolos tradicionais não depende de uma relação objetiva ao passado... O estudo pode objetar que tais costumes não são genuinamente tradicionais, mas eles têm tanta força e tanto significado para seus praticantes modernos quanto outros artefatos culturais que podem ser traçados diretamente do passado.


De acordo com tais autores, a cultura necessariamente precisa de reformulação e adequações, uma vez que alguns traços são seguidos e outros têm descontinuidade, dando novas simbologias às tradições. Os índios, por exemplo, que representam uns dos povos mais antigos do Brasil, vem sofrendo um intenso processo de aculturação desde a colonização, sofrendo mudanças drásticas, que se deram por meio da imposição da cultura eurocêntrica, forçando um contato direto do índio com o não índio. Tal realidade permitiu que novos costumes, tradições e valores fossem incorporados. Além disso, é preciso também salientar que a própria diversidade cultural existente no Brasil ocasionou uma mistura de costumes nos diferentes grupos da sociedade. Devido a estes fatores, muitas das comunidades indígenas do país acabaram adquirindo novas formas de vida, esquecendo alguns dos padrões deixados pelos seus ancestrais. Por isso, atualmente os povos indígenas têm passado por um processo de reinvenção cultural para atender a demanda da sociedade moderna, que preferem identificar com resgate da cultura.
As comunidades indígenas estão se adequando e se apropriando destas mudanças para expor sua cultura. Muitas vezes utilizam a reinvenção como possibilidades de resgate de uma cultura, que muitas vezes estava esquecida. Um exemplo dessa realidade é a comunidade Pataxó, no município de Porto Seguro-BA, que fizeram adequações na tradição para atender a demanda turística.

[...] as produções de objetos tradicionais passam por mudanças em resposta a imposições comerciais e estéticas de consumidores de lugares às vezes bem distantes - o que é, nas aldeias pataxós, o caso de europeus que encomendam, por exemplo, brincos no atacado para serem vendidos no exterior, mas recomendam um formato para o brinco que venderia bem na Europa e não o habitual indígena (APPANDURAI, 1986 apud GRÜNEWALD, 2001, 137).

O que se percebe é que as crescentes alterações sociais propiciam a reinvenção das tradições como forma de reafirmar-se no espaço que estão inseridos. Porém, é necessário refletir sobre determinadas invenções ou reinvenções, uma vez que distintos grupos sociais se apropriam de determinadas mudanças, podendo dar-lhes novos valores e significados, o que pode causar uma perda das características autênticas de um grupo. As tradições inventadas podem receber diferentes interpretações.

[...] são elas um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas. Tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado. Até as revoluções e os “movimentos progressistas”, que por definição rompem com o passado, têm seu passado relevante, ainda que numa continuidade bastante artificial. São processos em que o passado é reinterpretado e transformado em tradição. [...] trata-se de leitura feita sempre a posteriori, empreendida tanto pelos diferentes agentes históricos, quanto pela historiografia, recorrendo ao antigo, numa tentativa de legitimar a mudança e a inovação [...][1]

O que determina um comportamento, acontecimento ou valor como tradicionais é a sua ligação com o conjunto de elementos dos quais existe alguma relação com o sistema ritual e a denotação do ato, que liga à memória de um grupo.
O mundo atual não vive constantemente do passado, visto que as transformações acontecem no decorrer do tempo, sofrendo reconstruções no presente. Tais mudanças atendem a desejos específicos, por isso, transformam-se temporariamente. Chegam inúmeras vezes a fazer com que traços tradicionais desapareçam, necessitando desta maneira que recriações sejam feitas sempre para atender o moderno, fator preocupante, pois por mais que as tradições sejam criadas, devem-se manter as culturas tradicionais anteriores para que assim possa se ter referências concretas de um passado.


2.    FESTA DA RETOMADA: UM OLHAR ETNOGRÁFICO

Não foram poucos os índios no Brasil que sofreram abusos e desapropriações, perdendo o direito sobre seus territórios. No caso específico dos índios Xokó de Sergipe, tal realidade se concretizou através das autoridades do Estado, que negaram a existência de índios devido ao processo de mestiçagem ao qual passaram. Este contexto sociocultural apresentou-se como fator determinante, sendo os mesmos enquadrados na categoria de caboclo (DANTAS, 1997).  A situação se agravou ainda mais com a promulgação da Lei das Terras em 1850, quando os Presidentes da Província de Sergipe daquela época se esquivaram de fornecer garantias às populações nativas, transformando as propriedades coletivas indígenas em grandes propriedades rurais privadas. Desta maneira, os Xokó tiveram por mais de cem anos sua identidade negada, sob o argumento de que não mais carregavam consigo suas tradições e manifestações culturais.
Neste período, muitas lutas ocorreram entre os latifundiários e os índios, sendo o povo Xokó perseguido, massacrado e violentado. Muitos chegaram a sair da terra Caiçara, abandonando o local onde os seus ancestrais viveram. Os que se mantiveram no território foram trabalhar com meros empregados, impedidos de afirmar sua identidade indígena.
Após mais de um século, os índios inconformados com a opressão dos fazendeiros se uniram para reaver o território que lhes pertenciam. Tomada tal decisão, reocuparam a Ilha de São Pedro em 09 de setembro de 1979 com o objetivo de reintegração da terra. Dessa forma, algumas datas e eventos são relembrados e valorizados pela aldeia através de solenidades periódicas. Dentre estes está o dia 09 de setembro de 1979, data que representa o processo de recuperação das terras Xokó iniciado pela Ilha de São Pedro – SE e que representa o dia da independência daquele povo, sendo comemorada todos os anos.
A festividade tem uma importante dimensão simbólica para a aldeia e, por isso, seus preparativos começam uma semana antes, tendo um caráter sagrado e profano. Tudo é organizado com o intuito de respeitar as normas internas do grupo, como também possibilitar a presença dos visitantes e parentes de famílias indígenas que chegam para a manifestação.
A festa, que é considerada como uma das mais representativas manifestações da aldeia, ganhou uma dimensão que ultrapassa as fronteiras do território Xokó, atraindo visitantes de distintas regiões do país, dentre eles pesquisadores, estudantes de nível médio, superior e de pós-graduação que buscam participar de tal celebração por motivos diversos.
No dia anterior a festividade, as índias da aldeia fazem o preparativo das comidas que serão oferecidas para os visitantes. Estas são preparadas em baixo de uma árvore no centro da aldeia, onde se reúnem para fazer a manipulação dos alimentos.
No dia da festa, as atividades começam ainda na madrugada com a composição de um dos elementos identitários da comunidade, que se dá a partir da pintura corporal, momento em que os índios pintam o corpo com seus símbolos identitários. Trata-se do início da festividade que ocorre envolvendo toda a comunidade, que está diferentemente envolvida com a festa.
Posteriormente dá-se início a alvorada de abertura, que acontece por volta das 4 horas da manhã do dia 09.09, momento em que os Xokó percorrem as ruas da aldeia como se seguissem em procissão, transmitindo o canto do Toré[2] aos sons dos maracás, que representa uma das principais expressões da força, espiritualidade e resistência do grupo. Neste instante, também são disparados fogos de artifícios em locais estratégicos da aldeia.
Concluída a primeira fase da festa, as mulheres continuam na aldeia com o intuito de finalizar a preparação das refeições que serão utilizadas para o almoço. Os homens, por sua vez, adentram a mata da Caiçara para realização de um ritual secreto. Por volta das dez da manhã, às mulheres já pintadas, vão ao encontro dos homens em um local definido com antecedência. Ao se encontrarem, organizam-se em filas, estando às crianças na frente. Logo depois, seguem para o centro da aldeia e, de forma ordenada, dançam o Toré ao redor do mastro, onde uma bandeira hasteada representa a conquista da terra. Trata-se de um importante momento da celebração, que aguça a percepção de todos que lá estão, visto que o envolvimento com o ritual não acontece apenas entre os índios Xokó, mas também entre os que prestigiam a festa. A energia da dança e da música envolve a todos que estão presentes.

ILUSTRAÇÃO 01: DANÇA DO TORÉ
 










            Fonte: Arquivo da pesquisa, Setembro, 2010.

Após essa manifestação, todos seguem para frente da igreja para rezarem o pai-nosso e uma ave-maria. Ao adentrarem a igreja, os índios ocupam parte do espaço, expressando a alegria da sua reafirmação identitária e territorial. Este momento representa a mudança de uma situação passada, em que a igreja tinha o domínio sobre os índios e que agora não mais detém, já que o processo de decisão agora está nas mãos dos próprios índios.
Após o momento de comemoração acontece a missa, com participação da comunidade Xokó. O encerramento se dá com cantos, orações e relatos de acontecimentos do passado histórico. A continuidade da festa se dá ainda sobre o embalo dos cantos e da dança do Toré. Os índios voltam ao entorno do mastro e fazem referências à mãe natureza, a terra Xokó, a Jesus Cristo e a São Pedro (padroeiro da aldeia), como uma forma de homenagem e agradecimento. As mulheres, por sua vez, se ausentam para servir o almoço para os visitantes.
A festividade tem cunho sagrado e profano, envolvendo em um único espaço elementos religiosos e seculares com grande valor para os Xokó, pois é nesta manifestação que os mesmos demonstram e exaltam a identidade étnica, podendo desta forma expor o que por mais de um século ficou oculto no cotidiano dos índios e da comunidade externa.

  1. A HOSPITALIDADE XOKÓ DURANTE A FESTA

A Festa da Retomada envolve finalidades, motivações e interesses distintos, proporcionando tanto para a comunidade indígena quanto para os participantes um momento de interação social e sociabilidade. Para os Xokó, a celebração busca transmitir o reencontro com a história, a memória, os costumes e tradição de seu povo. Já para os visitantes, trata-se de um evento tradicional que possibilita conhecimentos científicos, acadêmicos e socioculturais que são compartilhados pelos anfitriões. 
Durante a celebração, é possível encontrar elementos da cultura Xokó que são rememorados e apresentados para os visitantes que chegam à aldeia. Estes últimos passam a ter contato concreto com a história de luta e resistência, bem como o contato com os rituais da comunidade, experiência singular para aqueles que chegam à aldeia.
Outro fator que merece destaque é a forma com que os índios Xokó se organizam para receber os visitantes. A hospitalidade Xokó, que se dá de modo tradicional, ocorre a partir do momento em que os índios iniciam os preparativos da festividade. Semanas antes da celebração, boa parte da comunidade começa a preparar a aldeia para a recepção dos visitantes.  Isso ocorre com alguns preparativos que vão desde a limpeza do centro da aldeia e a igreja, até o início da confecção de artigos que representam elementos identitários da comunidade. Estes são elaborados pelas crianças do projeto Valorizando Raízes Xokó para serem vendidos no dia 09 de setembro. Trata-se de uma tentativa de manter viva as raízes Xokó, buscando o fortalecimento do uso das ervas medicinais e utilização da matéria-prima existente na aldeia. A iniciativa visa trabalhar de forma conjunta e participativa as possíveis alternativas, bem como apropriação de conhecimentos na confecção de sabonetes, xaropes, artesanato e cerâmicas, tendo assim uma fonte de renda, para beneficiar tanto os jovens como a escola.


ILUSTRAÇÃO 02: ARTIGOS DO PROJETO RESGATANDO RAÍZES XOKÓ

                 
                  Fonte: Arquivo da pesquisa, Setembro, 2012
No dia anterior a festa, as mulheres da comunidade começam a preparar as comidas para o almoço do dia seguinte, que são oferecidas gratuitamente para os visitantes. O que chama atenção é a maneira tradicional de se cozinhar os alimentos, pois se tem a abertura de um buraco sobre o chão que, quando se tem uma profundidade considerável, coloca-se a lenha e a panela, demonstrando não só uma preparação coletiva, como também uma prática peculiar de cozinhar os alimentos na comunidade.   
                      
                                  ILUSTRAÇÃO 03: MODO DE COZINHAR
        









    Fonte: Arquivo da pesquisa, Setembro, 2012

Aqueles visitantes que não querem comer da comida ofertada pela comunidade podem alimentar-se no restaurante indígena existente na aldeia. Os que buscam este estabelecimento estão contribuindo para o incremento na renda do dono do estabelecimento, que também é um índio da comunidade.
Outra maneira de acolhimento é permitir que os visitantes se integrem a alguns momentos do ritual. Isso acontece quando os Xokó saem em forma de procissão no entorno da aldeia, tocando maracás e fazendo os contos do Toré. Neste momento, os visitantes são convidados a participar até certo momento do ato, visto que, quando seguem para o local do Ouricuri[3] não é mais permitida à presença de não-índios. Trata-se de uma forma de incluir os visitantes nos costumes que envolvem a festa, proporcionando uma nova experiência para os mesmos.
O acolhimento indígena também é perceptível não só pelas práticas culturais descritas, mas principalmente pelo acolhimento fraterno que é dado aos visitantes. Há uma constante preocupação dos anfitriões com o bem estar e a integração dos visitantes no contexto da festa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A hospitalidade é definida por diferentes conceitos, dentre eles estão a disponibilidade de produtos e serviços que deem subsídios e apoio aos visitantes em período de estada no local visitado. Porém, no destino em questão, essa disponibilidade de serviços e produtos deve ser compatível com as características da comunidade, não podendo alterar o ambiente para atender os anseios dos visitantes, visto que se trata de uma comunidade tradicional. Portanto, a hospitalidade oferta pelos Xokó parte dos recursos naturais e culturais existentes na aldeia, pautados nos traços étnicos e identitários.
O fluxo de visitantes Sergipanos na festividade Xokó demonstra também o despertar por parte da sociedade pelo patrimônio material e imaterial presentes na respectiva comunidade indígena, que acaba sendo transmitido na festa do dia 09 de setembro. Trata-se de uma festividade que engloba aspectos condizentes com todo o passado histórico, com os saberes e fazeres da comunidade.
Outro elemento identificado diz respeito ao processo de ressignificação que vem ocorrendo das violações sofridas pelos Xokó. Isso se dá através do resgate de sua identidade e da transmissão das especificidades culturais para sociedade mais ampla, rompendo fronteiras e atraindo visitantes não só do estado de Sergipe, mas também de distintas regiões do país, ganhando espaço no cenário do brasileiro.
O acolhimento dados aos visitantes ocorre através da atenção, dos cuidados e da transmissão de valores da comunidade local, proporcionando o contato com a cultura e os conhecimentos indígenas presentes na aldeia. Diante dos dados coletados, o que se percebeu é que a cultura é a essência da hospitalidade Xokó e o acolhimento é o complemento para que novas visitas aconteçam na aldeia.



REFERÊNCIAS
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[1] Programa de Pós-Graduação em História – UFMG. Apresentação do curso. Disponível em: http://www.fafich.ufmg.br/ppghis/programa/ApresentacaoCurso.pdf

[2] É a representatividade da autencidade Xokó, o canto do Toré é realizado com o complemento da dança onde os índios ao executar o canto e a dança invocam Deus, celebrando os valores culturais a eles pertencentes.
[3] Espaço sagrado afastado da aldeia, onde os índios Xokó marcam sua auto-afirmação, conservam e manifestam o mistério do ritual sagrado a eles pertencente.

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