quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

A trajetória do Povo Indígena Xokó após chegada a Ilha de São Pedro e a Retomada de uma Identidade



MARCOS PAULO CARVALHO LIMA


 GT 5 - Novas Perspectivas do Índio no Brasil                                                                           


RESUMO

Os Xokó é uma miscigenação de vários grupos étnicos que se encontraram ao longo do tempo, por remanejo imposto pela Igreja, como também, índios refugiados do sistema escravista e que se incorporaram a outros coletivos indígenas. Após terem desaparecido por cem anos, eles reaparecem a partir de contribuições de antropólogos oriundos da Universidade Federal de Sergipe, representantes da igreja católica, movimentos estudantis e sociais. Quando de sua chegada a Ilha de São Pedro em 1978, os Xokó tiveram que reassumir sua identidade, perpassando por questões de afirmação cultural e territorial. Partindo daí, o Governo Federal reconhece a existência desse povo indígena, e demarca seu território no ano de 1993.
Palavras chave: Xokó. Miscigenação. Identidade. Reconhecimento.

L'Arrivée des Xokó sur l'île de Saint-Pierre et la reprise d'une identité
RÉSUMÉ: Les Xokó sont un mélange de divers groupes ethniques qui se sont réunis au cours du temps, par l'imposition de l'Église et aussi par des Indiens refugiés du système esclavagiste qui se sont incorporé à d'autres collectifs indigènes. Après avoir disparus pendant une centaine d'années, ils réapparaissent par la contribution des anthropologues en provenance de l'Université Fédérale de Sergipe, des représentants de l'Église catholique, étudiants et des mouvements sociaux. Dès son arrivée dans l'île de Saint-Pierre en 1978, les Xokó ont du réaffirmer leur identité, en passant par les questions de la revendication culturelle et territoriale. Partant de cela, le gouvernement fédéral reconnaît l'existence de ce peuple, et délimite leur territoire en 1993.
Mots-clefs: Xokó. Métissage. Identité. Reconnai


Introdução:

       A aproximadamente 08(oito) anos acompanho a comunidade indígena Xokó, em seus diversos aspectos. Meu primeiro contato ocorreu por conta da Igreja de São Pedro, um monumento histórico tombado pelo Governo do Estado de Sergipe. Em 2007, fui designado pelo Secretário de Estado da Cultural, Luiz Alberto dos Santos a acompanhar as obras de restauração, junto com a equipe técnica do Setor de Patrimônio Cultural.
         Sendo assim, tive os primeiros contatos como à comunidade, e, aos poucos, acabei estreitando um laço com o maior líder dos Xokó fora do âmbito da aldeia, Apolonio Xokó. Diante disso, iniciei um olhar sobre a questão indígena em Sergipe, tendo os Xokó como foco maior de estudo. Não obstante, a tendência natural que tenho em observar as comunidades tradicionais como um todo, principalmente as indígenas e quilombolas.
         Prosseguindo, no ano de 2009, fui indicado por Apolonio e autorizado pelo professor Luiz Alberto, a representar a Secretaria de Estado da Cultura no ano de 2009, em uma Conferência Escolar Indígena, realizada na cidade de Salvador. Delegação composta por representantes do NEDIQUE, Secretaria de Estado da Educação. Contudo, me debrucei sobre a história do Povo Xokó e como eles vivem no século atual. 
        Entretanto, minha atuação junto aos Xokó é através de acompanhamento de programas e projetos voltados a comunidade e na produção de um programa de Rádio denominado: A Voz do Índio, Rádio Aperipê AM. Apresentação de Apolonio Xokó que vai ao AR todas as quartas-férias das 07:45 às 09hs.
Esta produção é mais um diálogo sobre o que conheço sobre a história dos Xokó, especificamente momentos que antecederam a chegada a Ilha de São Pedro e após esse feito. Fruto de leituras, pesquisas, entrevistas e conversas ao longo desses 08 anos de contato e tendo como referência base o Boletim da Comissão Pró-Índio/SP, A outra vida dos Xocó. Em fim, um pouco sobre experiência adquirida. Como também, descrição de documentos oficiais, citações e análises sobre publicações e o que há de escrito sobre esse grupo indígena.
       No entanto, este artigo se refere à atividade final para obtenção de certificação no curso de especialização em Ensino para a Igualdade nas Relações Étnico Raciais, da Faculdade São Luis de França.
Para tanto, o supracitado artigo está divido em 04 partes: a primeira se refere à origem dos Xokó; a segunda sobre a chegada a Ilha de São Pedro, terceira á década de oitenta, a quarta, a retomada de uma identidade; a quinta o processo de demarcação de suas terras, a sexta, como vive a comunidade indígena Xokó no século atual, onde narro como se encontra a aldeia hoje, e como vivem o povo Xokó; a sétima e última, é as considerações gerais.

1. Quem são os Xokó?

       Os Xokó são povos remanescentes advindos de vários grupos indígenas que no decorrer do tempo passaram por miscigenações, perdendo suas características culturais e fenotípicas de seu grupo de origem. Muitos dos remanescentes que vivem hoje na Ilha de São Pedro, por lá já habitavam a época da expropriação de suas terras pelos fazendeiros, presenciaram ainda crianças a expulsão de suas famílias da região da Caiçara.
      O território dos índios Xokó está localizado às margens do rio São Francisco, na ilha de São Pedro, também conhecido popularmente como terra da caiçara no município de Porto da Folha, Sergipe, fazendo limite com a cidade alagoana de Pão de Açúcar, compreendendo na sua totalidade 4.317 hectares. As terras dos Xokó foram demarcadas como área indígena desde o inicio do século XVIII, quando o governo português delimitou como território indígena várias áreas no Brasil. 

DANTAS (1997, p.12) apud Paixão & Lima (2012), relata ainda quando os Xokó chegaram à Ilha de São Pedro:
(...) as referências mais antigas a índios Xokó referem-se a grupos situados nas imediações do rio São Francisco (...) Somente no final do século XVIII encontraram-se em fontes escritas referências aos grupos Xokó... gravados sob diferentes formas: Schocó, Xocó, Choco, Chocoz, Ciocó, Ceocose. Sugerem quase sempre associados a espaços missionários. Há registro de Xokó em tempos passados, num espaço geográfico que vai de Sergipe ao sul do Ceará. (...)

        O trabalho de Frei Doroteu de Loreto, religioso capuchinho cujo nome está indelevelmente ligado à história dos Xokó como missionário da freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Porto da Folha (até 1853) e como vigário encomendado (1853-1864). ressaltado por Frei Vittorino Regni. A perda gradual do espaço geográfico da aldeia São Pedro comprometeu a organização social dos Xokó, fortemente ligada aos seus conceitos míticos. O espaço da aldeia tem uma relação com o sagrado e a sua perda implica em falta de referencial para as demais atividades do grupo. Não só a perda do seu território alterou os aspectos culturais desses índios, mas o processo de anulação dos seus valores culturais também corroborou para seu efetivo desgaste.
        Em Barreto observamos o depoimento de José Cândido (102 anos) baseado nas histórias que suas tias contavam: Iam dançar o Toré escondido (...) Era na beira da lagoa de Pão de açúcar, os primeiros terreiros (...) Jesuíno Abreu, Inocêncio Pires, Manoel Lapada, Quirino e Hipólito vinham dançar escondidos (...) frei Doroteu pediu que mudasse porque não dava certo, estava interrompendo o expediente dele (...) Passaram a dançar embaixo dos imbuzeiros da central (...) Foram para a Serra do Sentado, 500 metros do lado de baixo, do lado do Pajéu de Rubina. No terreiro, mais ou menos uns 200 metros de extensão (...) faziam comida, cozinhavam e dançavam o Toré(BARRETO, 2010, p. 43).

2. Chegada a Ilha de São Pedro

        Na da década de 1970, vários movimentos em prol da causa indígena crescia pelo país, principalmente pelo empenho da Comissão Pró-Índio de São Paulo. Na região nordeste foi criado um grupo de estudiosos que percorriam a região no sentido de rastrear a presença de grupos indígenas. Em Sergipe, foi citado que existia alguns indivíduos ligados a etnia Xokó. No entanto, não encontraram presença de grupos indígenas no Estado e não obtiveram informações oficiais. Já na segunda metade da mesma década, um grupo de professores da Universidade Federal de Sergipe, a saber: Beatriz Góis Dantas, Luiz Alberto dos Santos, Maria Hélia de Paula Barreto e Fernando Lins, ligados a época ao Departamento de Psicologia se debruçaram a pesquisar sobre os índios em Sergipe, contando com o apoio da Comissão Pro-Índio. Através dessas pesquisas, e indagações feitas por estudantes em salas de aula, surge à questão Xokó.  (Paixão & Lima. O resgate de uma identidade na terra da Caiçara. Artigo apresentado no II Simpósio Vozes Alternativas. Faculdade São Luis de França. 2012).
       A partir desses estudos, com o apoio também dos movimentos estudantis e sociais, e, a Igreja Católica através de Dom José Brandão de Castro, homens, mulheres e crianças, chegam a Ilha de São Pedro, em 09 de setembro de 1979.
De acordo com Apolonio Xokó, Embaixador Indpigena, na década de 70, ainda quando moravam na Caiçara, os Xokó tinha uma educação muito limitada. Não existia um local adequado, era feito a céu aberto e/ou nas casas. E, dependia de uma só pessoa, a senhora Enoi Bezerra Lima que ensinaram crianças e adultos a ler e escrever.
     Antes de sua chegada a Ilha de São Pedro, primeiramente, no ano de 1978, viviam 22 famílias na Caiçara, e, tinha a pesca e o cultivo do milho, arroz e feijão como fonte de sobrevivência. A Produção da Cerâmica, já se fazia nessa época, também sendo uma fonte de renda. Atividades essas, que eram proibidas pela família Britto, fazendeiros da região. Assim, as 22 famílias se reúnem e começam a discutir o futuro do seu povo. Mesmo sabendo desta proibição, os Xokó decidem continuar trabalhando como se nada estivesse acontecendo. Plantaram, mas não colheram na época da colheita, ou seja, de agosto a dezembro, a família Britto colocava o gado e destruíram em sua totalidade, tudo que tinham plantado. (XOKÓ, Memória, Índio na visão do Índio, 2012).
     No mesmo ano é realizado pela Diocese de Propriá, a primeira Romaria em comemoração aos Cem Anos da Morte do Missionário Italiano Frei Doroteo de Loreto, no dia 12 de setembro, assim, um pequeno grupo vão a cidade de Porto da Folha para comprar materiais, como: arame farpado e grampos, para cercarem a Ilha de São Pedro. Então, entre os dias 13 a 16 de setembro foi cercada com apoio da Diocese de Propriá representada pelo Bispo Dom José Brandão de Castro, Paróquia de Porto da Folha na pessoa de frei Enoque, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porto da Folha na pessoa do presidente Manoel Oliveira,
      De acordo com Apolonio, no dia 09 de setembro as 22 famílias da Caiçara e mais 04 que moravam no Belém foram expulsas pela família Britto, ao chegar na Ilha de São Pedro naquele ano encontraram apenas a igreja, as ruínas de um convento, o cemitério, uma pequena casa de taipa e os pés de tamarindo, juazeiro, quixabeira, que serviram ao longo de dois anos como casas. Em outubro de 1979, Cimi (Conselho Indigenistas Missionário) realiza na Ilha de São Pedro a 13ª Assembléia dos Povos Indígenas do Nordeste com a participação das aldeias Tucano do Amazonas, Xavante Itapirapé de Mato Grosso. Em 07 de dezembro de 1979, o então Governador do Estado de Sergipe, Sr. Augusto Franco, desapropria a Ilha de São Pedro, pagando na época dois milhões e quatrocentos mil cruzeiros, a família Britto de Propriá. (A outra vida dos Xokó, Boletim, Comissão Pró-Índio, 1983.)
    Após ser desapropriada, no dia 07 de dezembro de 1979, iniciou-se então um período de muita burocracia e de pressões intensas, até 27 de junho de 1984, quando em solenidade ocorrida no Palácio do Governo em Aracaju, o então governador João Alves Filho entregou documentação para o Presidente da FUNAI, passando a Ilha de São Pedro para a União (BARRETO, 2010, p. 52- 53).

3. A década de 80:

        A década de 80, muitas movimentações ocorreram no sentido de afirmação territorial dos Xokó, como também a reafirmação de sua cultura, sua ancestralidade indígena. O sentimento de pertencimento a uma Nação Indígena que se chama Xokó. A incorporação de uma identidade ancestral. Assim, os Xokó passaram por muitos entraves no decorrer desse período, a começar, em outubro de 1982, a família Britto de Propriá vende a terra Caiçara ao fazendeiro Jorge de Medeiros Pacheco com recursos oriundos do Banco do Nordeste do Brasil.
     Em 1984, era exatamente 27 de junho quando no Palácio Olímpio Campos, o então Governador de Sergipe, recebe naquela tarde o Presidente da Funai, o Sr. Jurandi Marcos da Fonseca, Sr. Leonardo Reis Delegado da Funai para região nordeste, Prefeito de Porto da Folha, Sr. Antônio de Caio Feitosa e uma pequena comissão do povo Xokó, Paulo Acássio, Damião, Raimundo, Manoel de Lulu e Apolônio Xokó, naquela solenidade foi passado do Estado para União e da União para a Funai a documentação da Ilha de São Pedro.
...Foi quando contamos com o apoio dos professores da Universidade Federal de Sergipe, Prof. Luiz Alberto dos Santos, Profa. Beatriz Góis Dantas, Prof. Fernando Lins. Ao visitar nossa aldeia, ficaram preocupados com o número de alunos sem professor. Decidiram “bancar” a contratação de um professor, que foi contratado pela Comissão Pró-Índio de Sergipe, palavras de Apolonio. (IBID).
     Na mesma década os Xokó conseguem junto ao Governador do Estado a construção do prédio que abriga o colégio estadual. Mudanças ocorreram no que se refere ao grau de formação dos professores, a instituição escolar mudava de nome já não era mais Dr. Etelvino e passa a se chamar: Dom José Brandão de Castro, Bispo de Propriá.
     Segundo o Antropólogo e arqueólogo Oliveira Junior (2013), ao utilizar os jornais da época, descreve que tal meio de comunicação trazia que “O Povo Xocó está em festa”!Diz o jornal dedicado a Vitória do povo Xokó de 12 de setembro de 1984. Tal pesquisador afirma que nesse mesmo ano assinaram a escritura de transferência da Ilha de São Pedro, onde vivem os Xokó, no Rio São Francisco. Por disposição da lei estadual o Estado de Sergipe passou a Ilha de São Pedro para o Patrimônio da União (JORNAL INDÌNGENA, 1984 p, 3). Mas complementa ao relatar que as terras dos Xokó não é só a Ilha onde os Brito invadiram . A mesma família já invadiu outra área dos Xokó. A outra área se chama Caiçara.
    Para Oliveira Junior, o jornal ainda descreve que, no final da década de 70, quando os Xokó entraram para retomar a Ilha, eles ficaram cercados de jagunços. Até a polícia lá da região foi dentro da Ilha fazer ameaças. Diziam que iam prender todo mundo. Jagunços do fazendeiro davam tiros nos índios. Gado do fazendeiro entrava na roça e acabava com toda a plantação. Tudo isso, o povo Xokó enfrentou e nunca abandonou a luta pela sua terra. Viva a Ilha de São Pedro! Viva o Povo Xokó (OLIVEIRA JUNIOR, 2013, p.12).
    Seguindo os anos oitenta a Saga do Povo Xokó continuava, pois, a suas terras não tinham sido reconhecida oficialmente pelo Governo Federal. Nos conta o Pajé Raimundo Xokó, que lideranças da aldeia se reúnem em uma grande assembléia realizada na aldeia Xokó, onde foi definido que o Cacique Xokó tinha que ir à Capital do País, com o intuito de discutir junto a Presidência da Funai a vinda para Sergipe de uma equipe técnica a fim de realizar o processo de demarcação da terra Caiçara. Porém, fazendeiros da região se reúnem e conseguem uma liminar suspendendo a demarcação.
      Em 1986 o povo Xokó através do seu Cacique traz pela segunda vez a equipe técnica que em uma grande reunião na cidade de Pão de Açúcar, entre Funai e Fazendeiros, o senhor Jorge Pacheco ao informar a Funai que tinha 200 homens fortemente armados de espingardas calibre 12, com ordens expressas para matar que entrasse na Caiçara a Funai de Pão de Açúcar retorna à Aracaju e de Aracaju à Brasília, deixando a comunidade indígena Xokó, sem nenhuma solução. (Apolonio Xokó)
     O fim da década de oitenta foi marcada por grandes embates entre os Xokó e os fazendeiros, com envolvimento da FUNAI, o Comando Geral da Polícia Militar e a Procuradoria Geral da República em Sergipe. No ano de 1987 o Procurador Geral, o Sr. Evaldo Fernandes Campos, recebe pela primeira vez as liderança indígenas do povo Xokó. Sensibilizado com a situação dos índios sergipanos, e a fim de que a justiça seja feita, no ano seguinte deu entrada em uma Ação de Reintegração de Posse na 3ª Vara da Justiça Federal de Sergipe, movida pela Procuradoria Geral da República em favor da União solicitando do Juiz Federal que a Funai através de uma Carta Precatória referente as conclusões do Processo Demarcatório da Área Indígena Caiçara.

4. Retomada de uma identidade:

          Para a antropóloga Hélia Barreto, muito tem sido discutido sobre identidade e etnicidade, Assim, ela indaga: Qual é ser ou pertencer a algum grupo? (...) etnicidade é uma forma de organização social, baseada na atribuição categorial que classifica as pessoas em função da sua origem suposta, que se acha validada na interação social pela ativação de signos culturais socialmente diferenciadores. (BARRETO, 2010, apud BARTH, 1997, p. 141).
          Sendo assim, para ela, a identidade estaria ligado ao fato de a pessoa pertencer a um determinado grupo e ser portadora de um determinado patrimônio cultural, que seria singular em relação a outros. Contudo, segundo estudiosos, são os grupos étnicos que podem e tem o direito de decidir sobre o seu pertencimento. É o chamado critério da auto identificação étnica; no entanto, as sociedades humanas estão passando por um processo constante de redefinição. (BARRETO, 2010, p.40).
        Dessa forma, as Xokó, após serem redescobertos foram aos poucos reaprendendo e se auto-identificando como um coletivo pertencente a uma ancestralidade indígena, na qual ao longo do tempo foi se modificando e adaptando as novas culturas e costumes pelos quais se depararam pelos caminhos percorridos.
        Porém, outros elementos culturais oriundos de povos indígenas, os Xokó já praticavam desde a chegada a Ilha de São Pedro: a dança e os rituais sagrados. Outros elementos chave de identificação, uma marca que no Povo Xokó fazia-se presente, era a produção da cerâmica,
que por vários anos era produzido na aldeia pelas mulheres com colaboração dos homens na retirada do barro, advindo da Caiçara(OLIVEIRA JUNIOR,2013). “A cerâmica é um elemento de representação da comunidade e durante muito tempo foi principal economia artesanal da aldeia. A atividade é predominantemente feminina, as mulheres da comunidade fazem os potes, panelas e frigideiras na própria casa onde moravam que também serve de olaria”. (OLIVEIRA JUNIOR, 2013 p.16). Não obstante, a participação que os homens Xokó têm na produção da Cerâmica, pois, tudo se inicia com a retirada do barro que é uma atividade masculina presente na aldeia, como mencionado no parágrafo acima.
          Com relação à religião, os Xokó se consideram católicos e tem grande devoção ao São Pedro. Na aldeia temos a Igreja de São Pedro que é tombada pelo Governo do Estado como patrimônio histórico. 4Em seu modesto interior, distribuídos pela capela-mor, nave e sacristia (lateral esquerda), retábulos de pedra com temas vernaculares e populares chamam a atenção, como os nichos sagrados das imagens dos Santos louvados pelos Xokó: Nossa Senhora das Dores, São Gonçalo, Santo Antônio, São Félix, e, com destaque, a representação de São Pedro Pontífice com tiara papal e segurando a cruz Pontifícia. Atualmente, talvez como uma reafirmação identitária ou essa imagem está ornamentada com emblemáticos cocar, pulseira e colar Xokó, além de ter suas mãos pintadas de vermelhos.
           Avelar nos conta que, nesse contexto espacial do pátio da igreja, há cerca de 20 anos, foi elaborado pelo “finado Seu Emanuel” um momento em homenagem a identidade indígena Xokó: trata-se de uma estátua com uma representação estereotipada de um índio, com cocar e saiote de penas, portando arco e flecha. A memória e identidade são valores fundamentais para o fortalecimento das culturas indígenas. Enquanto fenômeno coletivamente construído, a pluralidade das memórias indígenas corresponde as diversidades dos povos indígenas do Brasil.
        Para o Plano Setorial, os processos tradicionais de transmissão de conhecimentos entre as distintas gerações são fundamentais para a reprodução sociocultural dos povos indígenas. Por isso, eles devem ser incentivados e fortalecidos visando à manutenção dos saberes, das práticas, das organizações sociais, das instituições e das cosmovisões indígenas, e a atualização da identidade étnica e cultural de cada povo. Para o Plano Setorial, os processos tradicionais de transmissão de conhecimentos entre as distintas gerações são fundamentais para a reprodução sociocultural dos povos indígenas. Por isso, eles devem ser incentivados e fortalecidos visando à manutenção dos saberes, das práticas, das organizações sociais, das instituições e das cosmovisões indígenas, e a atualização da identidade étnica e cultural de cada povo. (Plano Setorial para as Culturas Indígenas/PSCI, 2012, p.61.)
     O Programa: Manutenção e Transmissão de Saberes e Práticas Indígenas teve como objetivos: Colaborar para a manutenção, atualização e reprodução sociocultural dos povos indígenas; incentivar os processos tradicionais de transmissão de saberes e práticas entre os povos indígenas; contribuir para o fortalecimento das identidades e das culturas dos povos indígenas, considerando suas próprias estratégias e iniciativas. (Plano Setorial para as Culturas Indígenas-MINC-2012)


5. O Processo de Demarcação de Suas Terras

         Os anos noventa foi uma época de realização, conquista e mudanças na aldeia. Para começar, em 1991, a Presidência da República através do Decreto nº401/91, reconhece e decreta a área indígena Caiçara ocupada permanentemente pelos bravos guerreiros Xokó. O processo demarcatório teve inicio em março do mesmo ano. A homologação foi feita no dia 24 de dezembro. (BARRETO, pg. 53).
Apolonio Xokó nos conta que, de 10 a 12 de maio de 1993, o povo indígena Xokó realiza a primeira festa na Caiçara onde convida os amigos para celebrar esta grande vitória. Em 22 e 23 de maio o povo Xokó comemora novamente a posse definitivamente da área indígena Caiçara, esta festa foi única e exclusiva para a comunidade celebra e festejar todos esses anos de lutas. A partir desse momento de conquista oficiosa de suas terras, com a incorporação das fazendas Belém e Araticum, os Xokó passam a entrar em fase de mudanças na aldeia, novas tecnologias adentram a Ilha de São Pedro, as casas mudam de estrutura, e os Xokó passam a viver um novo momento.

Com relação ao Rio São Francisco:

...um rio que chegava a ter uma profundidade de 30 a 40 metros. Navios nos anos 70 navegavam. Mas tudo isso tinha dia e hora para acabar, foi quando os doutores formados nas grandes universidades brasileiras ou nos estrangeiros começaram as construções de usinas hidrelétricas em seu leito com isso o rio foi perdendo suas forças e aquelas cheias foram aos poucos se acabando, com isso, todos os ribeirinhos que dependia do peixe e do arroz para sobreviver, tiveram que buscar outros meios para garantir “o pão” e criar a família, pois, o rio já não é mais o mesmo, principalmente quando foi inaugurado a Usina Hidroelétrica de Xingó nos anos 90. A partir daí foi decretada de uma vez por toda a morte desse rio( Palavras de lideranças Xokó para a produção do livro Memórias, O Índio na Visão do Índio: vide referência bibliogáfica).

       O Rio São Francisco é um dos maiores patrimônio natural que o brasileiro tem. As comunidades tradicionais que vivem nas proximidades do rio sofrem muito com a diminuição do seu volume. Principalmente, no que se refere à pesca. O esvaziamento do leito do Rio São Francisco comprometeu completamente para atividade de pesca e para a culinária dos povos nativos brasileiro.

6. A Comunidade Indígena Xokó no século XXI

         Desde sua chegada a Ilha de São Pedro, na aldeia Xokó muitas coisas mudaram, principalmente no que se refere a novas habitações e no estilo de vida da comunidade. A tecnologia chega a ilha, propiciando transformações no dia a dia dos índios. Fazendo uma comparação, quem são os índios Xokó hoje e os índios Xokó de ontem, há uma certa diferença, quando eles viviam na Caiçara eram apenas 22 famílias e 04 que moravam no Belém, hoje são quase 100 famílias vivendo na Ilha de São Pedro, portanto, um novo ritmo no cotidiano dos Xokó vai modificando paulatinamente, até porque, muitos passam a viver fora da aldeia, em cidades vizinhas a Porto da Folha, na capital e na grande Aracaju. A tecnologia, a modernidade adentrou em praticamente todas as aldeias do nordeste, não foi diferente na Aldeia Xokó.

         Para chegar à Ilha antes era pelo rio, agora pode ser também por terra. O município de Porto da Folha construiu um CRAS(Centro de Referencia e Assistência Social), sede das associações: Associação Indígena do Povo Xokó e a Associação das Mulheres Indígenas Xokó. O contato com os Xokó pode ser feito tanto via telefone, como via internet, rede de energia elétrica, água encanada, também não é problema para a comunidade. Entretanto, algumas atividades tradicionais, mitos e religiões ainda se fazem presente entre os Xokó, como: a dança do Toré, uma marca forte do povo que encantam os pesquisadores da temática indígena, como também os professores e estudantes que visitam a aldeia, e o Ouricuri, ritual sagrado dos Povos Indígenas, que é realizado mensalmente, no caso dos Xokó. Com relação ao cemitério primitivo construído pelos Jesuítas, ainda existe e conservado pela comunidade. (Memórias, Indío na visão do índio)

7. Considerações

         O Povo Xokó, passou por muitos entraves, batalhas, desprezos e preconceitos, desde a chegada a Ilha de São Pedro, não obstante, toda a década de oitenta até a conquista oficial de suas terras nos anos noventa. Contudo, não era apenas se apossar das terras, para isso, os índios Xokó precisavam justificar a posse: como? Se assumirem como um grupo pertencente a uma etnia indígena. Por tanto, os Xokó aos poucos se afirmaram culturalmente, territorialmente e religiosamente.
        Concordo com Oliveira Junior (2013) que, nas últimas décadas do final do século XX e início do século XXI, temos acompanhado especificamente no território Brasileiro e também em outros países da América Latina, a emergência étnica de povos que se mantiveram por um longo tempo na invisibilidade, isso acarretou em perseguições e discriminações das quais historicamente estes grupos foram vítimas inclusive podemos visualizar este processo no caso da expulsão e apropriação da terra do povo Xokó por família circunvizinha.
       Ademais, a educação foi algo de mais importante para que os Xokó obtivessem uma maior compreensão e entendimento do que é ser índio. Graças às orientações dos antropólogos Luiz Alberto, Beatriz Góis, Hélia Barreto e Fernando Lins, esses professores foram primordiais para que os Xokó de hoje assumissem uma identidade pertencente a um grupo indígena.
Entretanto, nos dias atuais percebe-se que após anos de batalha e conquista a comunidade vem perdendo um pouco de usas tradições, principalmente, a produção da cerâmica, uma referencia identitária que ainda identifica o Povo Xokó, no entanto, as manifestações culturais através da dança como o Toré e o Ritual Sagrado Ouricuri, permanece aceso e são transmitidos de geração em geração.

REFERÊNCIAS

FONTE ORAL:
Entrevista realizada com Apolonio Xokó e com o Pajé Raimundo entre os anos de 2012 e 2013, concedida ao pesquisador Marcos Paulo Lima em dezembro de 2013.

BIBLIOGRAFIAS
ARRUTI, José Maurício, “Da Memória Cabocla, a História Indígena”: conflito, mediação e reconhecimento. Xokó, Porto da Folha/SE).
ARRUTI, José Maurício Andion. Etnias Federais: o processo de identificação de remanescentes indígenas e quilombolas no Baixo São Francisco. Tese de Doutorado em Antropologia Social, Museu Nacional Rio de Janeiro, 2002.
ALMEIDA, Eliane Amorim, MASCARENHAS, M. da Conceição S.G (coord). Povo Xokó: História de Luta e Resistência. Aracaju: MEC/SEED, 2012.
BARRETO, Hélia Maria de Paula. Produção Cerâmica Xokó: A retomada de uma identidade. São Cristóvão: Editora UFS/ Fundação Oviêdo Teixeira, 2010.
__________BOLETIM/Comissão Pró-Índio/ SP, A outra vida dos Xocó. Maio/Junho/1983.
DANTAS, Beatriz Góis Dantas. Textos para a História de Sergipe. Aracaju: 1991. Universidade Federal de Sergipe/BANESE.
ELIAS, Nobert. Envolvimento e distanciamento. Lisboa: Dom Quixote, 1997.
________. O processo civilizador.Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. v. 1.
FREIRE, Felisbelo. História de Sergipe. Petrópolis: Editora Vozes/Governo do Estado de Sergipe, 1977.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1986.
NUNES, Maria Thétis. Sergipe Colonial I. Rio de Janeiro: Editora Tempo Brasileiro/UFS, 1989.
OLIVEIRA JUNIOR, João Mouzart. Xokó ontem e hoje: a relação entre natureza e cultura presente na festa de 34 anos. 2013.
SANTOS JUNIOR, Avelar Araújo. Terra Xokó: Um espaço como expressão de um povo. Aracaju: Editora Diário Oficial, 2011.
SILVA, Araci Lopes da. Índios. São Paulo: Ática Ed., 1988. (Coleção Ponto por Ponto)
STADEN, Hans. Duas viagens ao Brasil: primeiros registros sobre o Brasil. Trad. Angel Bojadsen. Porto Alegre: L&PM, 2009.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

LITERATURA INDÍGENA – QUEBRA DO ESTEREÓTIPO NO ENSINO ESCOLAR E NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES




Tathiana Santos Soares1

 GT 5 - Novas Perspectivas do Índio no Brasil


RESUMO:
Considerando a emergência da questão das diferenças étnico-raciais no ensino escolar e na formação de professores, nos propomos a discutir alguns aspectos sobre a literatura indígena no Brasil. A referida discussão pauta-se no desejo de ampliar o conhecimento sobre a temática no curso de pedagogia que ainda é pouco discutida. Acreditamos que a ausência da abordagem dessa temática em curso de formação de professores pode dificultar o desenvolvimento de estudos e práticas sobre a História e Cultura indígena nos diferentes níveis da Educação Básica. O conhecimento sobre literatura indígena pode possibilitar a utilização dessa literatura no ensino, principalmente para a desconstrução de estereótipos que ainda existem no espaço escolar, bem como em toda a sociedade. Possibilitando através da escrita, antes como um processo de dominação, agora vista como ferramenta na divulgação de sua história.
Palavras-Chave: Formação de Professores, Literatura indígena, Pedagogia.

ABSTRACT:
Considering the emergence of the issue of ethnic and racial differences in school education and teacher training, we propose to discuss some aspects about Indian literature in Brazil. This discussion is guided in the desire to expand knowledge on the subject in the course of pedagogy that is little discussed. We believe that the absence of this thematic approach ongoing teacher training may hinder the development of studies and practices on indigenous history and culture at all levels of Basic Education. Knowledge about indigenous literature can enable the use of this literature in education, especially for the deconstruction of stereotypes that still exist within the school as well as throughout society. Enabling through writing, rather as a process of domination, now seen as a tool in the dissemination of its history.
Keywords: Teacher Education, Indigenous Literature, Pedagogy.
1 Graduanda do Curso de Pedagogia na Universidade Federal de Sergipe. Atualmente bolsista do Projeto com o Título Formação Docente em EAD: Impactos e Desdobramentos em Sergipe sob a orientação do Professor Doutor Paulo Heimar Souto vinculada a FAPITEC. E-mail: tathysoares_83@hotmail.com.

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Por se tratar de um tema ainda recente no âmbito acadêmico. Este texto apresenta algumas reflexões sobre a temática da literatura indígena. Nosso interesse insurge através das visões estereotipadas dos indígenas que comumente foi e ainda é veiculada no ensino escolar e em outros contextos sociais. Nesse texto, estamos compreendendo a literatura indígena como um dos instrumentos possíveis para evidenciar a imagem do índio que corresponda a complexidade cultural que essa temática envolve. A literatura indígena trata de “um instrumento catalisador de transformações sociais e políticas” (FERREIRA, 2012 p.286).
Trata de uma literatura que possibilite a oportunidade dos povos indígenas transmitir a sua cosmologia de forma que tantos os leitores tenham a oportunidade de compreender melhor esse universo. Para (GEHLEN, 2011, p.93) há na literatura indígena:
[...]uma atitude de afirmação muito forte no texto que nos parece resumir o pensamento do próprio indígena sobre seu papel na sociedade brasileira. Não se trata de assumir a condição de vítima de erros históricos, mas afirmar-se como ser humano com todos os desdobramentos implicados nessa postura.
Na atualidade, observa-se a presença de uma literatura que é produzida pelo próprio indígena possibilitando que se reflita sobre as contribuições dessa literatura para o conhecimento da cultura dos povos indígenas. Para Almeida e Queiroz (2004, p.196):
[...] trata-se, portanto, de um movimento intencionalmente produzido por lideranças, intelectuais e professores indígenas...Sua pertinência para os estudos literários consiste sobretudo em que seu produto principal, “o livro com a cara de índio”, é resultado de um processo de edição.
A literatura indígena emerge no contexto brasileiro em meados da década de 1980 com algumas obras de autoria indígena, que constituíam um espaço voltado para sua própria identidade, em que a cultura, os costumes e as crenças eram abordados na perspectiva indígena, transmitindo histórias que antes eram narradas oralmente pelo e para o seu povo. O domínio da escrita pelos povos de tradição oral possibilitou a socialização dessas narrativas aos indígenas e também aos não índios.

De fato, o movimento político indígena brasileiro da década de 1980, encabeçado em parte por jovens indígenas que tinham sido enviados por suas tribos para estudarem em universidades, possibilitou o surgimento, a partir da década seguinte, de vários escritores indígenas, entre eles Kaka Werá Jecupé, Daniel Munduruku, Graça Graúna e Eliane Potiguara (FERREIRA, 2010, p 201). A Constituição Federal de 1988 garantiu aos índios o direito a uma educação diferenciada e, a partir deste fato, um considerável número de professores indígenas tem se3 dedicado à escrita de diversos materiais, que são utilizados nas escolas indígenas, mas que também estão sendo lidos nas aldeias e fora delas sob uma perspectiva literária. Ainda na Constituição Federal de 1988, Art. 231 afirma-se que: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários... partindo do direito de ser ele mesmo”. Acreditamos que a literatura é uma das vias possíveis para o atendimento do expresso nesse artigo, pois a literatura possibilita que a organização social, os costumes, a língua, as crenças, as tradições e os direitos originários sejam expressos e socializados entre índios e não índios. “A voz como valor que se encarrega de imprimir no texto o inacabamento e, consequentemente, projetar o conceito de textualidade como manifestação de pluralidade e diversidade cultural” (MACHADO, 1999, p. 65). Portanto, esta literatura é uma nova aliada na luta dos povos indígenas na preservação e difusão de sua cultura.

A criação de escolas indígenas ocorre a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 9394/96 que no seu art. 78 trata da oferta de educação escolar bilíngue aos povos indígenas, inciso I que tem o objetivo de proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências. No art. 79, parágrafo 2º indica-se para a necessidade de criação de programas com vistas a elaboração e publicação sistemática de material didático específico e diferenciado.
Essa prerrogativa aberta pela LDB 9394/96, respaldou a elaboração de políticas efetivas para a produção de material didático e paradidático que contempla a cultura e a história indígena. Entre outros materiais, a publicação de histórias escritas por autores indígenas, constituiu-se em uma das formas possíveis de transmissão dos saberes e socialização de sua cultura. Diante desses desenvolvimentos existentes nas leis a necessidade de produções, vista a literatura indígena hoje para Gehlen:O fato é que a literatura indígena existe, isso é inconteste; contudo, o espaço ocupado tanto no contexto da academia, quanto nas estantes das livrarias precisa ser ampliado. Prova disso é a escassez de estudos acerca da poética indígena e também o enquadramento dos livros de autores índios na seção de literatura infantil (GEHLEN, 2011, p.83). Pensar em Literatura Indígena é pensar no movimento que a memória realiza para apreender as possibilidades de mover-se num tempo que a nega e que nega os povos que a afirmam. Como é afirmado pelo escritor indígena Daniel Munduruku a escrita é um instrumento contemporâneo e moderno para os índios, pois essa escrita trazida pelos “brancos”, que por muitos anos significou resistência e sofrimentos aos índios, hoje, se torna4 aliada na divulgação da cultura indígena. “Claro está, que a nova realidade literária requer dos leitores a predisposição ao novo e nele perceber a riqueza por tanto tempo ignorada pelo meio escolar e acadêmico” (GEHLEN, 2011, p.89).

Na mesma perspectiva, a escritora indígena potiguar Graça Graúna (2012, p. 268), afirma que: “Ao longo da história da colonização, os povos indígenas vivenciaram a impossibilidade de escrever e expor o seu jeito de ser e de viver em sua própria língua”. Isso nos remete a pensar também sobre o silenciamento da história da cultura indígena na educação escolar brasileira, em que se privilegia a história eurocêntrica em detrimento do conhecimento da história indígena brasileira. Acreditamos que através da literatura infantil indígena é possível socializar os conhecimentos e saberes da cultura de tradição oral através da escrita. “Talvez possamos mesmo afirmar que a literatura indígena escrita é uma tradução dos mitos fundacionais, dos costumes dos diferentes povos que compõem a nação indígena brasileira” (GEHLEN, 2011, p.83).

O registro dos saberes vinculado na narrativa oral também é um elemento que nos permite pensar que o silenciamento imposto a essa cultura encontra formas de dar-se a conhecer. Assim, as crenças, as experiências, os saberes e conhecimentos que por séculos eram apenas transmitidos pela oralidade, encontram na escrita a possibilidade de serem divulgados entre os índios e os não índios. “Os índios, objetos dessa escrita acadêmica, tornam-se sujeitos, graças sobretudo à reintrodução da escola nas suas vidas, agora no contexto mais democrático” (ALMEIDA, QUEIROZ, 2004, p.197). Para o escritor de literatura indígena Daniel Munduruku ele reconheci que diante da legislação já existe uma visão nos programas relacionados as questões indígenas. No fortalecimento da autoria indígena e da identidade, tendo agora o seu espaço na sociedade, procurando assim a criação de uma nova pedagogia para a expressão de uma cultura étnica desses povos. Para Almeida e Queiroz (2004, p.211),
Fazer literatura indígena é uma forma de compartilhar com os parentes e com os não indígenas a nossa história de resistência. A escrita sempre esteve presente no contato entre índios e brancos. Trata-se agora de um processo de recuperação, ou melhor, apropriação de seus meios (ALMEIDA E QUEIROZ, 2004, p. 211).A literatura no Brasil representa os indígenas em suas obras desde os clássicos, O Guarani (1857), Iracema (1865) e Ubirajara (1874), de José de Alencar. Contudo, foram representados como uma imagem estereotipada e irreal, levando em conta também os textos5 jesuítas de Padre José de Anchieta. Nesse sentido a literatura indígena pode desconstruir a imagem que a história oficializada construiu do índio, ou a imagem que a história até hoje não mostrou. E através da escrita associada a essa literatura em que Gehlen diz que: Num contexto em que a escrita possui valor documental e de expressão da verdade, é importante transpor as histórias vivas na oralidade há séculos para o plano escrito, como forma de sair da invisibilidade e ocupar espaço no cenário cultural brasileiro, ainda excludente em relação a manifestações de minorias. (GEHLEN, 2011, p.85).

Assim para sair dessa invisibilidade em que o índio passa, o estereótipo é um dos elementos que devem ser desconstruído na sociedade e nos meios de informação como a escola. De acordo com Bhabha (2005, p. 117) “o estereótipo não é uma simplificação porque é uma falsa representação de uma dada realidade. É uma simplificação porque é uma forma presa, fixa de representação”. Essa forma fixa de representação está muito presente ainda, pois durante muitos tempo predominou no ensino de história e na literatura brasileira. Segundo Almeida (2008, p. 9, 10).

Para sabermos quem somos olhamos para nosso passado, nosso presente, e até mesmo para nossos planos de futuro. A literatura lança para o mundo um novo olhar, um novo posicionamento, uma nova história que faz parte da intrincada teia de pensamentos que nos faz humanos. Contamos histórias que afirmam tradições e culturas, que ensinam sobre o passado e preparam para o futuro, primeiro oralmente, até que a escrita viesse tornar possível a fixação destas histórias em papel.
Ainda segundo a autora, diferentes povos contaram sua história pela literatura, constituindo a cultura desses povos. Entende Almeida (2008), que a narrativa indígena merece ser narrada. A arte indígena, portanto, nesse momento, possibilita conhecer a cultura indígena a partir de suas narrativas. São vozes antes silenciadas que agora constroem espaços para dizer de si e de seu povo. Entre lutas e conquistas, a resistência à escrita esteve e está presente. Primeiramente por se tratar de uma sociedade tradicional, em que a oralidade garantia a transmissão cultural. Outro elemento que contribuiu para a resistência situa-se no sofrimento causado pela imposição de uma prática cultural escrita que não era de sua cultura. Contudo, hoje a escrita passa a ser uma aliada na construção desse novo cenário literário e nas lutas em diversas áreas. Desta forma Graça Graúna afirma que o lugar dessas produções literárias de autoria indígena é um “lugar utópico (de sobrevivência), uma variante do épico tecido pela oralidade; um lugar de confluência de vozes silenciadas e exiladas (escritas) ao longo dos 500 anos de colonização” (GRAÚNA, 2013, p.15). 

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A caminhada ainda é longa quando o assunto é literatura indígena no Brasil, o espaço literário está começando a expandir esse tipo de literatura, por se trata ainda de pouco tempo de sua divulgação que emerge em meados da década de 80. Para Silveira e Bonin (2012, p. 324):
O mercado editorial brasileiro, no que se refere à literatura para crianças e jovens, tem publicado cada vez mais obras que refletem aspectos da cultura nacional, buscando, em fontes histórico-culturais diversas, motivos e temas para a renovação de sua produção. Parece-nos que há um longo caminho ainda a ser conquistado, embora se observe um interesse crescente do mercado editorial, principalmente diante das políticas públicas que tem estimulado a emergência de uma literatura protagonizada pelos próprios indígenas. Para Guesse (2011, p.10-19):Configura-se um processo bem complexo de fixação das expressões literárias orais para uma expressão literária escrita, que será editada, publicada e utilizada na formação escolar das crianças da aldeia ou então que será destinada também ao público leitor branco. [...] Observa-se, assim, que a literatura que se oferece às crianças leitoras do século XXI também possui um importante teor pedagógico e que, por meio de narrativas variadas, estas obras ensinam sobre a natureza e sobre os sujeitos que a habitam.

Pensando na perspectiva da prática escolar é importante observar os saberes que a literatura indígena tem a oferecer dentro das escolas, como uma aliada na socialização da cultura indígena. Daniel Munduruku (2004, p. 33) afirma que: As pessoas evitam o preconceito com o conhecimento. Todos excluem menos quando convivem com a diferença. Em tudo que faço ressalto o fato de os povos indígenas serem muito diferentes da maioria da população brasileira, mas que essa diferença precisa ser aprendida para ser respeitada.
Considerando as conquistas constitucionais e suas decorrências, pode-se pensar que este em curso um processo de conquista e de afirmação da literatura indígena. Nos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais), que tem a função de referências para o trabalho dos professores em seu material que trabalha a Pluralismo Cultural em sua apresentação afirma que:
Para viver democraticamente em uma sociedade plural é preciso respeitar os diferentes grupos e culturas que a constituem. A sociedade brasileira é formada não só por diferentes etnias, como também por imigrantes de diferentes países. Além disso, as migrações colocam em contato grupos diferenciados. Sabe-se que as regiões brasileiras têm características culturais bastante diversas e que a convivência entre grupos diferenciados nos planos social e cultural muitas vezes é marcada pelo preconceito e pela discriminação (1997, p.116).

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Ainda segundo a apresentação do PCN o “grande desafio da escola é reconhecer a diversidade como parte inseparável da identidade nacional e dar a conhecer a riqueza representada por essa diversidade etnocultural”. “Investindo na superação de qualquer tipo de discriminação e valorizando a trajetória particular dos grupos que compõem a sociedade”.
A escola tem um importante desafio na desconstrução da imagem do índio vista em conteúdo do descobrimento do Brasil como o índio nu, com adereços de penas e pinturas que não corresponde a diversidade de povos indígenas que habitam o Brasil. Como indica Bonin, “Aprendemos a identificar os povos indígenas a partir de estereótipo colados aos seus corpos, que não apenas os descrevem, mas produzem e posicionam socialmente (BONIN, 2007, p.157)”.
Essa mesma autora nos alerta para a tradicional organização dos conteúdos, principalmente em história, em que o currículo é organizado de acordo com as datas comemorativas. Essa forma de organização curricular constitui-se como mecanismo “de manutenção de certas versões sobre acontecimentos históricos e, ao mesmo tempo, de interdição de outras narrativas que disputam e entram em confronto com memória oficiais” (BONIN, 2007, p. 23).

A literatura indígena compreende em seu movimento de criação e socialização uma oportunidade de alterar o conhecimento sobre a história do índio dentro das escolas e dos novos conceitos para uma educação voltada à valorização da identidade do povo brasileiro. Para Gehlen “a escola é o instrumento para que os índios possam representar seu universo e a si próprios para além da aldeia”. (GEHLEN, 2011, p.88).
A suposta homogeneidade dessa população necessita ser questionada e a escola é uma das instituições que pode articular no discurso pedagógico a diversidade que compõe a nação. Como indica LUCINI, (1999, p. 139): É preciso destituir a linearidade temporal de seu trono, estruturado a partir da racionalização histórica, cimentada que foi pela ordem homogeneizante, que expulsa o diferente, e o inusitado, produzindo um só jeito de contar e de ouvir, e assim nos captura para a exigência cultural de um só jeito de gostar, de amar, de odiar, de chorar, de rir... É preciso, ainda, que o ensino de História repense as histórias que conta e as que estão por contar, além de pensar como as estamos contando.
Nesse sentido pensamos na evolução de um processo de transformação no processo educativo no que se refere aos povos indígenas. Sendo necessário a inserção da diversidade cultural no processo de reconhecimento do outro, visto que no âmbito escolar ainda se provem de uma visão ainda eurocêntrica em virtude de todo o processo histórico. Através da literatura indígena podemos promover a valorização da pluralidade, tendo como viés de 8 ligação o professor, sendo um mediador que possibilite a quebra dessa educação eurocêntrica ainda existe no âmbito escolar. 9

Referências:

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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

III SEMINÁRIO DE ESTUDOS CULTURAIS, IDENTIDADES E RELAÇÕES INTERÉTNICAS GT 2 - COMUNIDADES TRADICIONAIS E PRODUÇÃO DE SENTIDO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA



UM ESTUDO SOBRE A RELAÇÃO ENTRE VISITANTES E VISITADOS NA ALDEIA XOKÓ-SE


Gisélia de Souza Cardoso
Universidade Federal de Sergipe
Graduanda do Curso de Turismo da Universidade Federal de Sergipe giseliacardoso.turismo@yahoo.com.br

Rosana Eduardo da Silva Leal
Doutora – Docente do Curso de Turismo da Universidade Federal de Sergipe rosanaeduardo@yahoo.com.br



INTRODUÇÃO


O presente artigo busca apresentar parte da pesquisa realizada durante o trabalho de conclusão de curso, que teve como objeto de estudo a comunidade indígena Xokó. A pesquisa foi desenvolvida pelo Núcleo de Turismo da Universidade Federal de Sergipe, por meio do Grupo de Estudo, Pesquisa e Extensão em Antropologia e Turismo - ANTUR/UFS/CNPQ.

Situados na Ilha de São Pedro, que está localizada no município de Porto da Folha, os índios Xokó são considerados como único grupo remanescente indígena do território sergipano na contemporaneidade. O território dos índios Xokó atualmente possui 4.317 hectares e faz limite com o rio São Francisco e com o município alagoano de Pão de Açúcar. (BARRETO, 2010, p. 19).
A região que abriga a aldeia foi “historicamente a região que atraiu missões religiosas e foi palco de disputas entre portugueses e holandeses, sendo também apresentada quase sempre como área de disputa entre criadores de gado” (BARRETO, 2010, p.30). Tais disputas duraram um longo período, refletindo consequentemente na vida dos Xokó.

Júnior (2005, p. 37) destaca que “a missão de São Pedro permaneceu sendo administrada pelos capuchinhos franceses até sua expulsão, em 1700. Após um conturbado e violento período, em 1709, os capuchinhos italianos assumiram a responsabilidade das missões franciscanas que outrora eram geridas pelos franceses”. A missão de São Pedro foi dirigida pela ordem até o início do século XIX e tinha como objetivo catequizar os índios tornando-os “aculturados”. Não diferente das demais missões existentes no território sergipano e brasileiro, a missão de São Pedro também tinha o mesmo viés de imposição da cultura europeia.

Portanto, assim como demais povos indígenas brasileiros, o povo Xokó sofreu momentos turbulentos de imposições de hábitos, crenças e costumes eurocêntricos no decorrer de sua existência. Barreto (2010, p. 45) afirma que tal população “também teve embates com grupos negros, e ainda estiveram submetidos à situação clássica de redução de diferentes grupos indígenas em um mesmo aldeamento, sob a gestão temporal e espiritual de determinadas ordens religiosas”. A autora ratifica que os Xokó passaram por mudanças jurídicas e administrativas diversificadas. Durante mais de um século foram dados com extintos e suas terras ficaram nas mãos da administração provincial, que terminou por vendê-las a particulares, mas reassumiram sua identidade, reconhecida após os confrontos com os grupos dominantes. São vistos como descendentes e pertencem a um dos grupos básicos de formação da etnia brasileira (BARRETO, 2010, p. 45- 46).

Diante do que foi exposto anteriormente, é visível que os Xokó sofreram um processo de expropriação violento, sendo dados inclusive como extintos no estado. Entretanto, no decorrer da trajetória histórica e política protagonizaram uma intensa disputa pelo território, obtendo somente o direito as extensões de terra a partir de 1979. Porém, a retomada total do território perdurou por um longo período de tempo, tendo finalmente o direito total a posse da terra em março de 2003.
Ilustração 01: Território Xokó
Fonte: http://ti.sociambiental.org/pt-br/al/pt-br/terras-indigenas/3631.

Por serem índios remanescentes, carregam aspectos diferenciados da realidade de uma comunidade que está diretamente ligada ao mundo contemporâneo. Isso não quer dizer que a comunidade tenha abdicado de hábitos da sociedade moderna, porém manteve seus sinais diacríticos. Por isso, a comunidade remanescente dos Xokó tem grande representatividade para a historiografia do Estado de Sergipe e, devido a sua importância, têm sido centro de visitação, atraindo constantemente estudantes e pesquisadores interessados em conhecer os modos de vida da comunidade, as práticas culturais, bem como o cotidiano que compõe a vida da aldeia. 
Para compreender tal demanda, foi necessário uma pesquisa minuciosa, que buscou pontuar a relação entre cultura, turismo e educação em território indígena, tendo como campo empírico o povo Xokó. Com a pesquisa, ampliou-se o olhar científico e técnico sobre a comunidade, através do estudo de elementos ainda não abordados sobre o tema, como, por exemplo, o estudo sobre a relação entre visitantes e visitados, temática amplamente tratada no campo da Antropologia do Turismo. O estudo buscou também entender como tem ocorrido o recebimento destes grupos, por meio da pesquisa bibliográfica, pesquisa de campo, observação direta, entrevistas e aplicação de questionários.

A pesquisa bibliográfica foi baseada nas leituras dos trabalhos já publicados sobre o assunto, ocorrendo por meios de livros, dissertações e teses. Através da pesquisa de
campo houve a possibilidade de visualizar a reação da comunidade Xokó em relação ao fluxo de visitas constantes.
A pesquisa de campo foi empreendida por meio do método etnográfico, que possibilitou a coleta de dados sobre as práticas cotidianas entre os membros da comunidade Xokó e a sociedade mais ampla. Através da pesquisa de campo foi possível ter acesso ao universo simbólico dos povos Xokó, coletando informações sobre o grupo, sobre o seu território, suas produções culturais e econômicas, bem como seus membros. Também foi utilizado o registro fotográfico identificando os costumes, como também os elementos da cultura material e imaterial. Tais registros tiveram por finalidade compreender os múltiplos aspectos do modo de vida da tribo Xokó na atualidade.

Por meio da observação direta foi possível ter conhecimento do perfil dos visitantes que costumam conhecer a aldeia, analisando e entendendo os desejos individuais de cada visitante, adquirindo assim um olhar diversificado sobre as práticas da comunidade visitada e os comportamentos e interesses dos visitantes. Com a realização das entrevistas e aplicação dos questionários se pode colher opiniões diversas sobre a relação entre visitantes e visitados na aldeia.
Estudar os elementos que constituem o cotidiano da comunidade Xokó possibilitou entender o contexto do respectivo grupo, identificando práticas e particularidades que fazem parte da vida da comunidade, reconhecendo a representatividade da mesma para sociedade Sergipana, já que é a única aldeia indígena do Estado.

A relação entre visitantes e visitados na comunidade Xokó

Os Xokó têm recebido com freqüência um fluxo de visitantes na aldeia, que chega à comunidade buscando conhecer a história, a cultura e os modos de vida. Isso se deve ao fato de que os assuntos abordados teoricamente em sala de aula, muitas vezes não são suficientes, uma vez que não dão suporte completo para se conhecer a realidade de diferentes povos e lugares. Neste caso, faz-se necessário o conhecimento in loco, pois assim é possível perceber a vivência, o modo de vida, os valores, os costumes e práticas desenvolvidas pelos indivíduos no cotidiano.
As práticas educativas em territórios indígenas permitem que os visitantes possam visualizar as especificidades locais atreladas à interação entre teoria-prática e ensino-aprendizagem em que se necessita ir a campo para vivenciar as realidades relatadas em sala de aula e textos científicos. Trata-se de um complemento educacional que proporciona aos estudantes, professores e pesquisadores maior aprofundamento da realidade cultural do local.
No caso da aldeia Xokó, há manutenção de particularidades que atraem a atenção de estudiosos e pesquisadores de diferentes níveis, ampliando o leque de informações daqueles que os buscam, proporcionando também maior valorização para comunidade visitada. Os alunos, pesquisadores e professores que costumam visitar os Xokó podem perceber como se deu todo o processo de construção da identidade cultural dos remanescentes indígenas de Sergipe, uma vez que a comunidade costuma recepcionar os visitantes de forma acolhedora, apresentando a história de lutas e conquistas adquiridas ao longo dos anos. Fator este determinante para ampliar o aprendizado dos alunos que visitam a aldeia, pois se pode ver in loco a realidade contada pela própria comunidade, unindo assim a teoria da sala de aula à realidade local.

Ilustração 02: Encenação do processo de retomada do Território Xokó

Fonte: Arquivo de Pesquisa, Abril de 2013.

A atividade educativa na aldeia proporciona a interação do conhecimento-aprendizado aliado ao lazer, uma vez que promove a saída da sala de aula para um espaço diferenciado, permitindo sociabilidade e aproximação de algo diferente do cotidiano vivenciado. Demo (1996 apud SOUZA; MELO; PERINOTTO 2011, p. 56) “enfatiza que a ligação entre teoria e prática é necessária para que o educando seja capaz de tornar-se autônomo, um ser crítico, capaz de criar, recriar e manejar conhecimento”. A teoria e prática possibilita que o aluno possa interagir em diferentes contextos, adquirindo experiências únicas e particulares.
Visando identificar como vem ocorrendo a relação e o diálogo entre visitantes e visitados Xokó se fez necessário a aplicação de questionários, que foram aplicados com lideranças da comunidade e demais índios, bem como os visitantes. O roteiro de perguntas foi estruturado dando aos interlocutores a oportunidade de fazer colocações pertinentes. Os índios Xokó foram entrevistados para se obter informações que viessem a reforçar a compreensão das relações estabelecidade entre os visitantes e a comunidade Xokó. As informações coletadas por meio dos entrevistados foram determinante para ter uma dimensão do ponto de vista da comunidade com relação ao fluxo de visitantes.
Ilustração 03: Visitantes chegando a Aldeia Xokó. Fonte: Pesquisa de campo, 2011.

Aos serem inqueridos sobre as visitas externas para comunidade Xokó, os índios demonstraram que a comunidade fala a mesma linguagem. Os entrevistados destacaram que a visitação contribue para difundir cada vez mais a cultura, bem como para o reconhecimento e a valorização da história do grupo. Segundo os Xokó, as visitas servem para representar a busca de conhecimento da cultura étnica, por meio do artesanato e dos artigos produzidos pela comunidade, bem como a troca de conhecimento com a cultura externa. Para eles, os visitantes trazem novos conhecimentos e melhorias para comunidade através de projetos, visto que após vivenciar a cultura Xokó alguns estudiosos despertam para a pesquisa na comunidade e consequentimente elaboram projetos que venham beneficiar o grupo. Destacam também que é por meio da demanda externa que se tem uma outra maneira de divulgação da história e cultura do povo Xokó.

Diante das colocações dos índios é possível perceber que os visitantes proporcionam o conhecimento, o intercâmbio cultural, a divulgação, dando também contribuições para aldeia por meios das iniciativas dos estudiosos.

Ao serem indagados sobre os conflitos gerados pelos visitantes, os índios indicaram diferentes opiniões, pois alguns diziam não existir nenhum conflito, em contrapartida outros destacaram algumas insatisfações, dizendo que existem alguns visitantes que não compreendem e nem se integram a cultura do povo Xokó fazendo algumas críticas aos rituais a eles pertencentes.

No dia 09 de setembro de 2012 na festa da retomada presenciei as críticas por meio de risadas descontroladas de três jovens meninas ao ver a apresentação da dança do Toré, chegando a serem repreendidas pelo cacique Bá de maneira discreta 1. Comportamentos desrespeitosos normalmente ocasionam a apatia por parte dos visitados. Porém, esta ainda não foi uma realidade observada na comunidade Xokó durante a pesquisa de campo. Ainda questionados sobre os conflitos, fizeram comentários a respeito de alguns visitantes que não entendem a cultura e o modo de vida da aldeia e por isso tecem comentários e opiniões preconceituosas, gerando assim alguns transtornos.

1 Informações fornecidas por Maria Gedalva dos Santos no dia 06/08/2013 através de entrevista. Maria Gedalva trabalha nos serviços gerais da Escola Estadual Indígena Dom José Bradão de Castro, localizada na aldeia Xokó.

Alguns visitantes costumam vir a comunidade buscar informações sobre a cultura Xokó e depois fazem publicações de modo distorcido. Aqueles que não gostam do espaço da aldeia, da cultura Xokó que voltem a suas casas sem interferir na vida da comunidade 

2. Os comentários citados anteriormente dizem respeito ao modo de vida atual da comunidade, uma vez que os índios Xokó não têm mais traços característicos dos índios do tempo do descobrimento do Brasil, pois não moram em ocas e muito menos andam nús. Realidade que promove o descontentamento por parte de alguns visitantes, que não compreendem que a identidade indígena envolve outros elementos que não sejam os aspectos tradicionalmente passados pela sociedade mais ampla. Os que não entendem as características da comunidade passam a fazer comentários preconceituosos sobre a imagem dos Xokó. Mas é preciso compreender que, as comunidades indígenas também passam por processo de ‘modernização’. A ideia é a de que a modernidade pode ser incorporada à tradição, num dueto que à primeira vista pode parecer confuso, mas que, quando observado a fundo, revela-se especialmente eficaz para entendermos a história de culturas diversas (MAGALHÃES, OLIVEIRA E FERREIRA, 2010, p. 03).

Os índios como uns dos povos mais antigos do Brasil sofreram um intenso processo de aculturação desde a colonização em que mudanças e transformações foram impostas por meio da cultura eurocêntrica, forçando um contato direto do índio com o não-índio. Tal realidade permitiu que novos costumes culturais fossem incorporados a cultura indígena. Além disso, é preciso também salientar que a própria diversidade cultural existente no Brasil ocasionou uma mistura de costumes nos diferentes grupos da sociedade. Atualmente povos indígenas têm passado por um processo de reinvenção cultural para atender a demanda da sociedade moderna.

As crescentes alterações sociais propiciam a reinvenção das tradições como forma de reafirmar-se no espaço que estão inseridos. Porém, é necessário refletir sobre determinadas invenções ou reinvenções uma vez que distintos grupos sociais se apropriam de determinadas mudanças, podendo dar-lhes novos valores e significados, o que pode causar uma perda das características de um grupo, podendo receber diferentes interpretações, como podemos observar no trecho a seguir:

2 Entrevista realizada com o Pajé Raimundo no dia 07/08/2013, o senhor Raimundo é um dos líderes mais velhos da comunidade Xokó.
[...] as produções de objetos tradicionais passam por mudanças em resposta a imposições comerciais e estéticas de consumidores de lugares às vezes bem distantes - o que é, nas aldeias pataxós, o caso de europeus que encomendam, por exemplo, brincos no atacado para serem vendidos no exterior, mas recomendam um formato para o brinco que venderia bem na Europa e não o habitual indígena (APPANDURAI, 1986 apud GRÜNEWALD, 2001, 137).

É importante destacar que não se deixe de lado a produção de objetos tradicionais devido as imposições comerciais, que tais exigências comerciais seja atendidas, mas de forma que o tradicional não seja esquecido, pois o mesmo contextualiza a identidade do grupo étnico.
Voltando a análise das visitas no cenário da aldeia Xokó buscou-se também saber quais os benefícios adqueridos por meio do fluxo dos visitantes, os Xokó por sua vez destacaram que, através das visitas, é possível ganhar visibilidade e respeito, visto que é a partir de um contato mais próximo com uma cultura alheia que se pode obter admiração pela mesma, adquerindo assim novos conhecimentos através da troca de experiências culturais. 
Os entrevistados falaram também dos benefícios por meio da ampla divulgação da história Xokó e a oportunidade de desenvolvimento de possíveis projetos para a comunidade e a comercialização de serviços prestados por alguns índios.

Sahlins (1997) observa que, diferentemente do que se pensou, ou seja, que os povos indígenas seriam subjulgados pela hegemonia da globalização, muitos grupos tem se posicionado conscientemente diante dessa realidade, acionando a cultura não só como marcador de identidade, mas também como mecanismo de retomada do controle da própria autonomia indígena. Nessa realidade global coexistem realidades sincréticas, translocais e multiculturais que viabilizam tais culturas a partir de uma indigenização da modernidade, ou seja, de compreensão do cenário moderno sob o ponto de vista local, concebendo outras modernidades (LEAL, 2006, p. 243).

A questão que ganhou destaque entre todos os entrevistados foi a oportunidade de comercialização do artesanato, pois, além de apresentar para os visitantes, o artesanato concomitantemente estimula a compra dos mesmos, o que consequentemente dinamiza a renda dos artesãos, mesmo que ainda em pequena escala.
Ilustração 04: Artesanato comercializado na aldeia. Fonte: Pesquisa de campo, 2013.

Por fim, questionou-se sobre o ganho da comunidade por meio da visitação de pesquisadores, estudantes e professores. O que ressaltado pelos visitados foi a troca de conhecimento, destacando que a comunidade ganha com a sistematização e a formalização dos conhecimentos locais que são pesquisados, registrados e divulgados. Pontuaram a importânica de ter contato com os visitantes pela possibilidade de adquirir conhecimento do mundo externo e do mundo moderno. Os índios Xokó obtem informações por meio dos telejornais e, estar em contato com os visitantes, é mais uma forma de se manter conectados com o mundo constantemente.

Outro fator que foi destacado diz respeito a maior transmissão da cultura para as salas de aula externas a aldeia, divulgando a história e estimulando novas visitas. É perceptível que os índios Xokó já têm em mente que a cada visita de estudiosos tem-se a possibilidade de aumentar o fluxo de novos alunos para conhecer a cultura local. A demanda constante deste tipo de público vem contribuir para o conhecimento da sociedade sergipana e da sociedade mais ampla sobre a importância do grupo étnico, valorizando consideravelmente o legado que a comunidade detém para a cultura do estado.

Os comportamentos inadequados na maioria das vezes partem da ausênica de conhecimento sobre a importância da cultura indígena para a construção da identidade sergipana, partindo de indivíduos que buscam a comunidade apenas para vivenciar um dia de lazer, ocasionando o desconforto para a comunidade receptora, uma vez que estes apresentam comportamentos atípicos, não respeitando os limites definidos pela comunidade indígena. Sabemos também que alguns alunos vão à aldeia por exigência, devido à proposta de atividade estabelecida pelos professores e acabam não sendo sensibilizados suficientemente.
Para uma análise mais consistente sobre a relação entre turistas e comunidade receptora, necessitou-se também estudar os visitantes da aldeia Xokó, o método foi de aplicação de questionários e entrevistas, pois assim se consegueria obter uma visão macro de ambas as partes.

Com relação aos visitantes se percebeu que os mesmos dão valor para comunidade visitada, uma vez que na visão dos mesmos a cultura Xokó constitui-se como um vínculo que retrata a memória da cultura indígena, que faz parte do patrimônio cultural e identitário de Sergipe Xokó.

Segundo os visitantes, através de uma maior envolvimento e fluxo de agentes ligados a área de estudos, se pode dar um maior reconhecimento da cultura Xokó para sociedade mais ampla, em especial para os sergipanos. Ressaltaram ainda que o fluxo de visitação possibilitará um maior apoio à comunidade nativa, uma vez que se ganha reconhecimento, fortalecendo a tradição e os saberes Xokó.

Os visitantes também destacaram a boa relação com a comunidade Xokó, uma vez que os anfitriões conseguem com simplicidade demonstrar acolhimento. Diante da pesquisa, pode-se dizer que a comunidade Xokó na grande maioria das visitas recebidas, tem uma relação harmoniosa com os visitantes, havendo a interação e o respeito aos costumes e hábitos cotidianos, o que permite o intercâmbio cultural e o conhecimento entre distintas formas de vida. A comunidade Xokó costuma atrair um público ligado à instituições de ensino médio e superior, possibilitando a consciência da necessidade de conhecer e entender os hábitos da cultura alheia.

Ilustração 06: Interação de conhecimentos entre estudantes da UFS e índio Xokó.
Fonte: Arquivo de pesquisa, Setembro de 2013.

Os visitantes costumam escutar atentamente as informações passadas pelos índios da aldeia Xokó, questionando e interagindo com frequência, demonstrando não só a busca por conhecimento. mas também um respeito com a cultura da comunidade que os recepcionam.

Muitos visitantes costumam considerar a hospitalidade um elemento primordial para o fluxo de visitantes. “Decididamente, a hospitalidade é o meio, acima de todos os outros, de criar ou consolidar relacionamentos com estranhos”. Selwyn (2004, p. 47). Na comunidade Xokó há uma constante preocupação dos anfitriões com o bem estar e a integração dos visitantes durante o período de permanência na aldeia. Tal hospitalidade não seria disponibilizada pelos índios Xokó se não existisse uma aceitação e um bom relacionamento entre as partes.

Considerações Finais

Por meio da pesquisa pode-se observar que a comunidade indígena Xokó recebe com frequência grupo de visitantes. O que não quer dizer que haja uma constante relação hamônica, já que alguns relatos demonstraram situações de desaprovação diante dos comportamentos dos visitantes. Porém, boa parte dos integrantes da aldeia que fizeram parte da pesquisa descreveu a possibilidade de fortalecimento do relacionamento entre os visitantes e visitados, a ponto de criar fortes laços de amizade e visitas consecutivas.
Diante do crescente fluxo de visitante é possível ver que a identidade étnica Xokó está ganhando evidência e valorização. Por isso, conforme salientaram os entrevistados, é interessante manter o contato com os visitantes, uma vez que a partir do contato com a sociedade mais ampla os visitados estão conseguindo estabelecer intercâmbios sociais e culturais que os beneficiam a comunidade.
Através do estudo, identificou-se que a presença de visitantes no território Xokó constitui-se como uma forma de resgatar e expandir a cultura do grupo diante da sociedade mais ampla. Trata-se também de uma maneira da comunidade se reafirmar como protagonista de seus costumes e práticas cotidianas, possibilitando que a identidade Xokó torne-se fonte de intercâmbio e conhecimento histórico, ambiental, social e cultural.


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