quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

A trajetória do Povo Indígena Xokó após chegada a Ilha de São Pedro e a Retomada de uma Identidade



MARCOS PAULO CARVALHO LIMA


 GT 5 - Novas Perspectivas do Índio no Brasil                                                                           


RESUMO

Os Xokó é uma miscigenação de vários grupos étnicos que se encontraram ao longo do tempo, por remanejo imposto pela Igreja, como também, índios refugiados do sistema escravista e que se incorporaram a outros coletivos indígenas. Após terem desaparecido por cem anos, eles reaparecem a partir de contribuições de antropólogos oriundos da Universidade Federal de Sergipe, representantes da igreja católica, movimentos estudantis e sociais. Quando de sua chegada a Ilha de São Pedro em 1978, os Xokó tiveram que reassumir sua identidade, perpassando por questões de afirmação cultural e territorial. Partindo daí, o Governo Federal reconhece a existência desse povo indígena, e demarca seu território no ano de 1993.
Palavras chave: Xokó. Miscigenação. Identidade. Reconhecimento.

L'Arrivée des Xokó sur l'île de Saint-Pierre et la reprise d'une identité
RÉSUMÉ: Les Xokó sont un mélange de divers groupes ethniques qui se sont réunis au cours du temps, par l'imposition de l'Église et aussi par des Indiens refugiés du système esclavagiste qui se sont incorporé à d'autres collectifs indigènes. Après avoir disparus pendant une centaine d'années, ils réapparaissent par la contribution des anthropologues en provenance de l'Université Fédérale de Sergipe, des représentants de l'Église catholique, étudiants et des mouvements sociaux. Dès son arrivée dans l'île de Saint-Pierre en 1978, les Xokó ont du réaffirmer leur identité, en passant par les questions de la revendication culturelle et territoriale. Partant de cela, le gouvernement fédéral reconnaît l'existence de ce peuple, et délimite leur territoire en 1993.
Mots-clefs: Xokó. Métissage. Identité. Reconnai


Introdução:

       A aproximadamente 08(oito) anos acompanho a comunidade indígena Xokó, em seus diversos aspectos. Meu primeiro contato ocorreu por conta da Igreja de São Pedro, um monumento histórico tombado pelo Governo do Estado de Sergipe. Em 2007, fui designado pelo Secretário de Estado da Cultural, Luiz Alberto dos Santos a acompanhar as obras de restauração, junto com a equipe técnica do Setor de Patrimônio Cultural.
         Sendo assim, tive os primeiros contatos como à comunidade, e, aos poucos, acabei estreitando um laço com o maior líder dos Xokó fora do âmbito da aldeia, Apolonio Xokó. Diante disso, iniciei um olhar sobre a questão indígena em Sergipe, tendo os Xokó como foco maior de estudo. Não obstante, a tendência natural que tenho em observar as comunidades tradicionais como um todo, principalmente as indígenas e quilombolas.
         Prosseguindo, no ano de 2009, fui indicado por Apolonio e autorizado pelo professor Luiz Alberto, a representar a Secretaria de Estado da Cultura no ano de 2009, em uma Conferência Escolar Indígena, realizada na cidade de Salvador. Delegação composta por representantes do NEDIQUE, Secretaria de Estado da Educação. Contudo, me debrucei sobre a história do Povo Xokó e como eles vivem no século atual. 
        Entretanto, minha atuação junto aos Xokó é através de acompanhamento de programas e projetos voltados a comunidade e na produção de um programa de Rádio denominado: A Voz do Índio, Rádio Aperipê AM. Apresentação de Apolonio Xokó que vai ao AR todas as quartas-férias das 07:45 às 09hs.
Esta produção é mais um diálogo sobre o que conheço sobre a história dos Xokó, especificamente momentos que antecederam a chegada a Ilha de São Pedro e após esse feito. Fruto de leituras, pesquisas, entrevistas e conversas ao longo desses 08 anos de contato e tendo como referência base o Boletim da Comissão Pró-Índio/SP, A outra vida dos Xocó. Em fim, um pouco sobre experiência adquirida. Como também, descrição de documentos oficiais, citações e análises sobre publicações e o que há de escrito sobre esse grupo indígena.
       No entanto, este artigo se refere à atividade final para obtenção de certificação no curso de especialização em Ensino para a Igualdade nas Relações Étnico Raciais, da Faculdade São Luis de França.
Para tanto, o supracitado artigo está divido em 04 partes: a primeira se refere à origem dos Xokó; a segunda sobre a chegada a Ilha de São Pedro, terceira á década de oitenta, a quarta, a retomada de uma identidade; a quinta o processo de demarcação de suas terras, a sexta, como vive a comunidade indígena Xokó no século atual, onde narro como se encontra a aldeia hoje, e como vivem o povo Xokó; a sétima e última, é as considerações gerais.

1. Quem são os Xokó?

       Os Xokó são povos remanescentes advindos de vários grupos indígenas que no decorrer do tempo passaram por miscigenações, perdendo suas características culturais e fenotípicas de seu grupo de origem. Muitos dos remanescentes que vivem hoje na Ilha de São Pedro, por lá já habitavam a época da expropriação de suas terras pelos fazendeiros, presenciaram ainda crianças a expulsão de suas famílias da região da Caiçara.
      O território dos índios Xokó está localizado às margens do rio São Francisco, na ilha de São Pedro, também conhecido popularmente como terra da caiçara no município de Porto da Folha, Sergipe, fazendo limite com a cidade alagoana de Pão de Açúcar, compreendendo na sua totalidade 4.317 hectares. As terras dos Xokó foram demarcadas como área indígena desde o inicio do século XVIII, quando o governo português delimitou como território indígena várias áreas no Brasil. 

DANTAS (1997, p.12) apud Paixão & Lima (2012), relata ainda quando os Xokó chegaram à Ilha de São Pedro:
(...) as referências mais antigas a índios Xokó referem-se a grupos situados nas imediações do rio São Francisco (...) Somente no final do século XVIII encontraram-se em fontes escritas referências aos grupos Xokó... gravados sob diferentes formas: Schocó, Xocó, Choco, Chocoz, Ciocó, Ceocose. Sugerem quase sempre associados a espaços missionários. Há registro de Xokó em tempos passados, num espaço geográfico que vai de Sergipe ao sul do Ceará. (...)

        O trabalho de Frei Doroteu de Loreto, religioso capuchinho cujo nome está indelevelmente ligado à história dos Xokó como missionário da freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Porto da Folha (até 1853) e como vigário encomendado (1853-1864). ressaltado por Frei Vittorino Regni. A perda gradual do espaço geográfico da aldeia São Pedro comprometeu a organização social dos Xokó, fortemente ligada aos seus conceitos míticos. O espaço da aldeia tem uma relação com o sagrado e a sua perda implica em falta de referencial para as demais atividades do grupo. Não só a perda do seu território alterou os aspectos culturais desses índios, mas o processo de anulação dos seus valores culturais também corroborou para seu efetivo desgaste.
        Em Barreto observamos o depoimento de José Cândido (102 anos) baseado nas histórias que suas tias contavam: Iam dançar o Toré escondido (...) Era na beira da lagoa de Pão de açúcar, os primeiros terreiros (...) Jesuíno Abreu, Inocêncio Pires, Manoel Lapada, Quirino e Hipólito vinham dançar escondidos (...) frei Doroteu pediu que mudasse porque não dava certo, estava interrompendo o expediente dele (...) Passaram a dançar embaixo dos imbuzeiros da central (...) Foram para a Serra do Sentado, 500 metros do lado de baixo, do lado do Pajéu de Rubina. No terreiro, mais ou menos uns 200 metros de extensão (...) faziam comida, cozinhavam e dançavam o Toré(BARRETO, 2010, p. 43).

2. Chegada a Ilha de São Pedro

        Na da década de 1970, vários movimentos em prol da causa indígena crescia pelo país, principalmente pelo empenho da Comissão Pró-Índio de São Paulo. Na região nordeste foi criado um grupo de estudiosos que percorriam a região no sentido de rastrear a presença de grupos indígenas. Em Sergipe, foi citado que existia alguns indivíduos ligados a etnia Xokó. No entanto, não encontraram presença de grupos indígenas no Estado e não obtiveram informações oficiais. Já na segunda metade da mesma década, um grupo de professores da Universidade Federal de Sergipe, a saber: Beatriz Góis Dantas, Luiz Alberto dos Santos, Maria Hélia de Paula Barreto e Fernando Lins, ligados a época ao Departamento de Psicologia se debruçaram a pesquisar sobre os índios em Sergipe, contando com o apoio da Comissão Pro-Índio. Através dessas pesquisas, e indagações feitas por estudantes em salas de aula, surge à questão Xokó.  (Paixão & Lima. O resgate de uma identidade na terra da Caiçara. Artigo apresentado no II Simpósio Vozes Alternativas. Faculdade São Luis de França. 2012).
       A partir desses estudos, com o apoio também dos movimentos estudantis e sociais, e, a Igreja Católica através de Dom José Brandão de Castro, homens, mulheres e crianças, chegam a Ilha de São Pedro, em 09 de setembro de 1979.
De acordo com Apolonio Xokó, Embaixador Indpigena, na década de 70, ainda quando moravam na Caiçara, os Xokó tinha uma educação muito limitada. Não existia um local adequado, era feito a céu aberto e/ou nas casas. E, dependia de uma só pessoa, a senhora Enoi Bezerra Lima que ensinaram crianças e adultos a ler e escrever.
     Antes de sua chegada a Ilha de São Pedro, primeiramente, no ano de 1978, viviam 22 famílias na Caiçara, e, tinha a pesca e o cultivo do milho, arroz e feijão como fonte de sobrevivência. A Produção da Cerâmica, já se fazia nessa época, também sendo uma fonte de renda. Atividades essas, que eram proibidas pela família Britto, fazendeiros da região. Assim, as 22 famílias se reúnem e começam a discutir o futuro do seu povo. Mesmo sabendo desta proibição, os Xokó decidem continuar trabalhando como se nada estivesse acontecendo. Plantaram, mas não colheram na época da colheita, ou seja, de agosto a dezembro, a família Britto colocava o gado e destruíram em sua totalidade, tudo que tinham plantado. (XOKÓ, Memória, Índio na visão do Índio, 2012).
     No mesmo ano é realizado pela Diocese de Propriá, a primeira Romaria em comemoração aos Cem Anos da Morte do Missionário Italiano Frei Doroteo de Loreto, no dia 12 de setembro, assim, um pequeno grupo vão a cidade de Porto da Folha para comprar materiais, como: arame farpado e grampos, para cercarem a Ilha de São Pedro. Então, entre os dias 13 a 16 de setembro foi cercada com apoio da Diocese de Propriá representada pelo Bispo Dom José Brandão de Castro, Paróquia de Porto da Folha na pessoa de frei Enoque, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porto da Folha na pessoa do presidente Manoel Oliveira,
      De acordo com Apolonio, no dia 09 de setembro as 22 famílias da Caiçara e mais 04 que moravam no Belém foram expulsas pela família Britto, ao chegar na Ilha de São Pedro naquele ano encontraram apenas a igreja, as ruínas de um convento, o cemitério, uma pequena casa de taipa e os pés de tamarindo, juazeiro, quixabeira, que serviram ao longo de dois anos como casas. Em outubro de 1979, Cimi (Conselho Indigenistas Missionário) realiza na Ilha de São Pedro a 13ª Assembléia dos Povos Indígenas do Nordeste com a participação das aldeias Tucano do Amazonas, Xavante Itapirapé de Mato Grosso. Em 07 de dezembro de 1979, o então Governador do Estado de Sergipe, Sr. Augusto Franco, desapropria a Ilha de São Pedro, pagando na época dois milhões e quatrocentos mil cruzeiros, a família Britto de Propriá. (A outra vida dos Xokó, Boletim, Comissão Pró-Índio, 1983.)
    Após ser desapropriada, no dia 07 de dezembro de 1979, iniciou-se então um período de muita burocracia e de pressões intensas, até 27 de junho de 1984, quando em solenidade ocorrida no Palácio do Governo em Aracaju, o então governador João Alves Filho entregou documentação para o Presidente da FUNAI, passando a Ilha de São Pedro para a União (BARRETO, 2010, p. 52- 53).

3. A década de 80:

        A década de 80, muitas movimentações ocorreram no sentido de afirmação territorial dos Xokó, como também a reafirmação de sua cultura, sua ancestralidade indígena. O sentimento de pertencimento a uma Nação Indígena que se chama Xokó. A incorporação de uma identidade ancestral. Assim, os Xokó passaram por muitos entraves no decorrer desse período, a começar, em outubro de 1982, a família Britto de Propriá vende a terra Caiçara ao fazendeiro Jorge de Medeiros Pacheco com recursos oriundos do Banco do Nordeste do Brasil.
     Em 1984, era exatamente 27 de junho quando no Palácio Olímpio Campos, o então Governador de Sergipe, recebe naquela tarde o Presidente da Funai, o Sr. Jurandi Marcos da Fonseca, Sr. Leonardo Reis Delegado da Funai para região nordeste, Prefeito de Porto da Folha, Sr. Antônio de Caio Feitosa e uma pequena comissão do povo Xokó, Paulo Acássio, Damião, Raimundo, Manoel de Lulu e Apolônio Xokó, naquela solenidade foi passado do Estado para União e da União para a Funai a documentação da Ilha de São Pedro.
...Foi quando contamos com o apoio dos professores da Universidade Federal de Sergipe, Prof. Luiz Alberto dos Santos, Profa. Beatriz Góis Dantas, Prof. Fernando Lins. Ao visitar nossa aldeia, ficaram preocupados com o número de alunos sem professor. Decidiram “bancar” a contratação de um professor, que foi contratado pela Comissão Pró-Índio de Sergipe, palavras de Apolonio. (IBID).
     Na mesma década os Xokó conseguem junto ao Governador do Estado a construção do prédio que abriga o colégio estadual. Mudanças ocorreram no que se refere ao grau de formação dos professores, a instituição escolar mudava de nome já não era mais Dr. Etelvino e passa a se chamar: Dom José Brandão de Castro, Bispo de Propriá.
     Segundo o Antropólogo e arqueólogo Oliveira Junior (2013), ao utilizar os jornais da época, descreve que tal meio de comunicação trazia que “O Povo Xocó está em festa”!Diz o jornal dedicado a Vitória do povo Xokó de 12 de setembro de 1984. Tal pesquisador afirma que nesse mesmo ano assinaram a escritura de transferência da Ilha de São Pedro, onde vivem os Xokó, no Rio São Francisco. Por disposição da lei estadual o Estado de Sergipe passou a Ilha de São Pedro para o Patrimônio da União (JORNAL INDÌNGENA, 1984 p, 3). Mas complementa ao relatar que as terras dos Xokó não é só a Ilha onde os Brito invadiram . A mesma família já invadiu outra área dos Xokó. A outra área se chama Caiçara.
    Para Oliveira Junior, o jornal ainda descreve que, no final da década de 70, quando os Xokó entraram para retomar a Ilha, eles ficaram cercados de jagunços. Até a polícia lá da região foi dentro da Ilha fazer ameaças. Diziam que iam prender todo mundo. Jagunços do fazendeiro davam tiros nos índios. Gado do fazendeiro entrava na roça e acabava com toda a plantação. Tudo isso, o povo Xokó enfrentou e nunca abandonou a luta pela sua terra. Viva a Ilha de São Pedro! Viva o Povo Xokó (OLIVEIRA JUNIOR, 2013, p.12).
    Seguindo os anos oitenta a Saga do Povo Xokó continuava, pois, a suas terras não tinham sido reconhecida oficialmente pelo Governo Federal. Nos conta o Pajé Raimundo Xokó, que lideranças da aldeia se reúnem em uma grande assembléia realizada na aldeia Xokó, onde foi definido que o Cacique Xokó tinha que ir à Capital do País, com o intuito de discutir junto a Presidência da Funai a vinda para Sergipe de uma equipe técnica a fim de realizar o processo de demarcação da terra Caiçara. Porém, fazendeiros da região se reúnem e conseguem uma liminar suspendendo a demarcação.
      Em 1986 o povo Xokó através do seu Cacique traz pela segunda vez a equipe técnica que em uma grande reunião na cidade de Pão de Açúcar, entre Funai e Fazendeiros, o senhor Jorge Pacheco ao informar a Funai que tinha 200 homens fortemente armados de espingardas calibre 12, com ordens expressas para matar que entrasse na Caiçara a Funai de Pão de Açúcar retorna à Aracaju e de Aracaju à Brasília, deixando a comunidade indígena Xokó, sem nenhuma solução. (Apolonio Xokó)
     O fim da década de oitenta foi marcada por grandes embates entre os Xokó e os fazendeiros, com envolvimento da FUNAI, o Comando Geral da Polícia Militar e a Procuradoria Geral da República em Sergipe. No ano de 1987 o Procurador Geral, o Sr. Evaldo Fernandes Campos, recebe pela primeira vez as liderança indígenas do povo Xokó. Sensibilizado com a situação dos índios sergipanos, e a fim de que a justiça seja feita, no ano seguinte deu entrada em uma Ação de Reintegração de Posse na 3ª Vara da Justiça Federal de Sergipe, movida pela Procuradoria Geral da República em favor da União solicitando do Juiz Federal que a Funai através de uma Carta Precatória referente as conclusões do Processo Demarcatório da Área Indígena Caiçara.

4. Retomada de uma identidade:

          Para a antropóloga Hélia Barreto, muito tem sido discutido sobre identidade e etnicidade, Assim, ela indaga: Qual é ser ou pertencer a algum grupo? (...) etnicidade é uma forma de organização social, baseada na atribuição categorial que classifica as pessoas em função da sua origem suposta, que se acha validada na interação social pela ativação de signos culturais socialmente diferenciadores. (BARRETO, 2010, apud BARTH, 1997, p. 141).
          Sendo assim, para ela, a identidade estaria ligado ao fato de a pessoa pertencer a um determinado grupo e ser portadora de um determinado patrimônio cultural, que seria singular em relação a outros. Contudo, segundo estudiosos, são os grupos étnicos que podem e tem o direito de decidir sobre o seu pertencimento. É o chamado critério da auto identificação étnica; no entanto, as sociedades humanas estão passando por um processo constante de redefinição. (BARRETO, 2010, p.40).
        Dessa forma, as Xokó, após serem redescobertos foram aos poucos reaprendendo e se auto-identificando como um coletivo pertencente a uma ancestralidade indígena, na qual ao longo do tempo foi se modificando e adaptando as novas culturas e costumes pelos quais se depararam pelos caminhos percorridos.
        Porém, outros elementos culturais oriundos de povos indígenas, os Xokó já praticavam desde a chegada a Ilha de São Pedro: a dança e os rituais sagrados. Outros elementos chave de identificação, uma marca que no Povo Xokó fazia-se presente, era a produção da cerâmica,
que por vários anos era produzido na aldeia pelas mulheres com colaboração dos homens na retirada do barro, advindo da Caiçara(OLIVEIRA JUNIOR,2013). “A cerâmica é um elemento de representação da comunidade e durante muito tempo foi principal economia artesanal da aldeia. A atividade é predominantemente feminina, as mulheres da comunidade fazem os potes, panelas e frigideiras na própria casa onde moravam que também serve de olaria”. (OLIVEIRA JUNIOR, 2013 p.16). Não obstante, a participação que os homens Xokó têm na produção da Cerâmica, pois, tudo se inicia com a retirada do barro que é uma atividade masculina presente na aldeia, como mencionado no parágrafo acima.
          Com relação à religião, os Xokó se consideram católicos e tem grande devoção ao São Pedro. Na aldeia temos a Igreja de São Pedro que é tombada pelo Governo do Estado como patrimônio histórico. 4Em seu modesto interior, distribuídos pela capela-mor, nave e sacristia (lateral esquerda), retábulos de pedra com temas vernaculares e populares chamam a atenção, como os nichos sagrados das imagens dos Santos louvados pelos Xokó: Nossa Senhora das Dores, São Gonçalo, Santo Antônio, São Félix, e, com destaque, a representação de São Pedro Pontífice com tiara papal e segurando a cruz Pontifícia. Atualmente, talvez como uma reafirmação identitária ou essa imagem está ornamentada com emblemáticos cocar, pulseira e colar Xokó, além de ter suas mãos pintadas de vermelhos.
           Avelar nos conta que, nesse contexto espacial do pátio da igreja, há cerca de 20 anos, foi elaborado pelo “finado Seu Emanuel” um momento em homenagem a identidade indígena Xokó: trata-se de uma estátua com uma representação estereotipada de um índio, com cocar e saiote de penas, portando arco e flecha. A memória e identidade são valores fundamentais para o fortalecimento das culturas indígenas. Enquanto fenômeno coletivamente construído, a pluralidade das memórias indígenas corresponde as diversidades dos povos indígenas do Brasil.
        Para o Plano Setorial, os processos tradicionais de transmissão de conhecimentos entre as distintas gerações são fundamentais para a reprodução sociocultural dos povos indígenas. Por isso, eles devem ser incentivados e fortalecidos visando à manutenção dos saberes, das práticas, das organizações sociais, das instituições e das cosmovisões indígenas, e a atualização da identidade étnica e cultural de cada povo. Para o Plano Setorial, os processos tradicionais de transmissão de conhecimentos entre as distintas gerações são fundamentais para a reprodução sociocultural dos povos indígenas. Por isso, eles devem ser incentivados e fortalecidos visando à manutenção dos saberes, das práticas, das organizações sociais, das instituições e das cosmovisões indígenas, e a atualização da identidade étnica e cultural de cada povo. (Plano Setorial para as Culturas Indígenas/PSCI, 2012, p.61.)
     O Programa: Manutenção e Transmissão de Saberes e Práticas Indígenas teve como objetivos: Colaborar para a manutenção, atualização e reprodução sociocultural dos povos indígenas; incentivar os processos tradicionais de transmissão de saberes e práticas entre os povos indígenas; contribuir para o fortalecimento das identidades e das culturas dos povos indígenas, considerando suas próprias estratégias e iniciativas. (Plano Setorial para as Culturas Indígenas-MINC-2012)


5. O Processo de Demarcação de Suas Terras

         Os anos noventa foi uma época de realização, conquista e mudanças na aldeia. Para começar, em 1991, a Presidência da República através do Decreto nº401/91, reconhece e decreta a área indígena Caiçara ocupada permanentemente pelos bravos guerreiros Xokó. O processo demarcatório teve inicio em março do mesmo ano. A homologação foi feita no dia 24 de dezembro. (BARRETO, pg. 53).
Apolonio Xokó nos conta que, de 10 a 12 de maio de 1993, o povo indígena Xokó realiza a primeira festa na Caiçara onde convida os amigos para celebrar esta grande vitória. Em 22 e 23 de maio o povo Xokó comemora novamente a posse definitivamente da área indígena Caiçara, esta festa foi única e exclusiva para a comunidade celebra e festejar todos esses anos de lutas. A partir desse momento de conquista oficiosa de suas terras, com a incorporação das fazendas Belém e Araticum, os Xokó passam a entrar em fase de mudanças na aldeia, novas tecnologias adentram a Ilha de São Pedro, as casas mudam de estrutura, e os Xokó passam a viver um novo momento.

Com relação ao Rio São Francisco:

...um rio que chegava a ter uma profundidade de 30 a 40 metros. Navios nos anos 70 navegavam. Mas tudo isso tinha dia e hora para acabar, foi quando os doutores formados nas grandes universidades brasileiras ou nos estrangeiros começaram as construções de usinas hidrelétricas em seu leito com isso o rio foi perdendo suas forças e aquelas cheias foram aos poucos se acabando, com isso, todos os ribeirinhos que dependia do peixe e do arroz para sobreviver, tiveram que buscar outros meios para garantir “o pão” e criar a família, pois, o rio já não é mais o mesmo, principalmente quando foi inaugurado a Usina Hidroelétrica de Xingó nos anos 90. A partir daí foi decretada de uma vez por toda a morte desse rio( Palavras de lideranças Xokó para a produção do livro Memórias, O Índio na Visão do Índio: vide referência bibliogáfica).

       O Rio São Francisco é um dos maiores patrimônio natural que o brasileiro tem. As comunidades tradicionais que vivem nas proximidades do rio sofrem muito com a diminuição do seu volume. Principalmente, no que se refere à pesca. O esvaziamento do leito do Rio São Francisco comprometeu completamente para atividade de pesca e para a culinária dos povos nativos brasileiro.

6. A Comunidade Indígena Xokó no século XXI

         Desde sua chegada a Ilha de São Pedro, na aldeia Xokó muitas coisas mudaram, principalmente no que se refere a novas habitações e no estilo de vida da comunidade. A tecnologia chega a ilha, propiciando transformações no dia a dia dos índios. Fazendo uma comparação, quem são os índios Xokó hoje e os índios Xokó de ontem, há uma certa diferença, quando eles viviam na Caiçara eram apenas 22 famílias e 04 que moravam no Belém, hoje são quase 100 famílias vivendo na Ilha de São Pedro, portanto, um novo ritmo no cotidiano dos Xokó vai modificando paulatinamente, até porque, muitos passam a viver fora da aldeia, em cidades vizinhas a Porto da Folha, na capital e na grande Aracaju. A tecnologia, a modernidade adentrou em praticamente todas as aldeias do nordeste, não foi diferente na Aldeia Xokó.

         Para chegar à Ilha antes era pelo rio, agora pode ser também por terra. O município de Porto da Folha construiu um CRAS(Centro de Referencia e Assistência Social), sede das associações: Associação Indígena do Povo Xokó e a Associação das Mulheres Indígenas Xokó. O contato com os Xokó pode ser feito tanto via telefone, como via internet, rede de energia elétrica, água encanada, também não é problema para a comunidade. Entretanto, algumas atividades tradicionais, mitos e religiões ainda se fazem presente entre os Xokó, como: a dança do Toré, uma marca forte do povo que encantam os pesquisadores da temática indígena, como também os professores e estudantes que visitam a aldeia, e o Ouricuri, ritual sagrado dos Povos Indígenas, que é realizado mensalmente, no caso dos Xokó. Com relação ao cemitério primitivo construído pelos Jesuítas, ainda existe e conservado pela comunidade. (Memórias, Indío na visão do índio)

7. Considerações

         O Povo Xokó, passou por muitos entraves, batalhas, desprezos e preconceitos, desde a chegada a Ilha de São Pedro, não obstante, toda a década de oitenta até a conquista oficial de suas terras nos anos noventa. Contudo, não era apenas se apossar das terras, para isso, os índios Xokó precisavam justificar a posse: como? Se assumirem como um grupo pertencente a uma etnia indígena. Por tanto, os Xokó aos poucos se afirmaram culturalmente, territorialmente e religiosamente.
        Concordo com Oliveira Junior (2013) que, nas últimas décadas do final do século XX e início do século XXI, temos acompanhado especificamente no território Brasileiro e também em outros países da América Latina, a emergência étnica de povos que se mantiveram por um longo tempo na invisibilidade, isso acarretou em perseguições e discriminações das quais historicamente estes grupos foram vítimas inclusive podemos visualizar este processo no caso da expulsão e apropriação da terra do povo Xokó por família circunvizinha.
       Ademais, a educação foi algo de mais importante para que os Xokó obtivessem uma maior compreensão e entendimento do que é ser índio. Graças às orientações dos antropólogos Luiz Alberto, Beatriz Góis, Hélia Barreto e Fernando Lins, esses professores foram primordiais para que os Xokó de hoje assumissem uma identidade pertencente a um grupo indígena.
Entretanto, nos dias atuais percebe-se que após anos de batalha e conquista a comunidade vem perdendo um pouco de usas tradições, principalmente, a produção da cerâmica, uma referencia identitária que ainda identifica o Povo Xokó, no entanto, as manifestações culturais através da dança como o Toré e o Ritual Sagrado Ouricuri, permanece aceso e são transmitidos de geração em geração.

REFERÊNCIAS

FONTE ORAL:
Entrevista realizada com Apolonio Xokó e com o Pajé Raimundo entre os anos de 2012 e 2013, concedida ao pesquisador Marcos Paulo Lima em dezembro de 2013.

BIBLIOGRAFIAS
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BARRETO, Hélia Maria de Paula. Produção Cerâmica Xokó: A retomada de uma identidade. São Cristóvão: Editora UFS/ Fundação Oviêdo Teixeira, 2010.
__________BOLETIM/Comissão Pró-Índio/ SP, A outra vida dos Xocó. Maio/Junho/1983.
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